Garimpo Netflix: A Preguiça Nossa de Cada Dia
Não é de se admirar que durante os últimos dias só se tenha falado da greve dos caminhoneiros e, em especial, destacado as implicações que ela traz. E pode ficar tranquilo, leitor, não vim aqui perpetuar o descrito e bombardeá-los com a minha visão sobre o assunto. A questão mesmo é que: pra muitos, seja pela dependência do transporte público ou de carros para locomoção, ficar em casa tem sido mais recorrente. Eu particularmente não saio do meu limite da minha rua tem 4 dias, meus caros. E eu digo isso oscilando entre um completo alívio e também desespero ansiolítico.
Dito isso, diante dessa simulação pós-apocalíptica por assim dizer, em que estocamos comida em casa e evitamos comprar tomates a preço de caviar, a Netflix tem sido minha forte aliada nesse gozo de privilégio todo. Se tem uma coisa que fiz além de tentar ser produtiva para mim e minha carreira acadêmica (dá-lhe texto prolixo, um atrás do outro devorados tal quais os Kit Kats que também meti pra dentro), foi procurar novos títulos no catálogo desse serviço de streaming queridinho. Digo, isso é claro após conferir as sempre boas indicações dos meus amiguinhos do site (beijo, queridos). E é assim que trago as indicações de hoje, como belos frutos da minha (parcial) inutilidade caseira.
Divirtam-se!
– Burn Burn Burn, de 2015, dirigido por Chanya Button
Comédias britânicas, ah, como eu gosto. Não faço muito pra esconder a certa pagação de pau que tenho pelo Cinema Britânico, seja pelas belíssimas paisagens e cultura encantadora, seja pela abordagem peculiar e estilo (inclusive a paleta de cores!!!!) que me agradam. Em Burn Burn Burn, elementos de ponta do humor britânico são evidenciados, como o flerte com a comédia sombria e o apoio indisfarçável no constrangimento. Temos a história de duas amigas, Alex (Chloe Pirrie) e Seph (Laura Carmichael), que têm a missão de espalhar as cinzas de um amigo em comum que acaba de morrer. Dan (Jack Farthing), ainda moribundo, deixou vídeos instruindo-as a pegar a estrada rumo aos lugares pelos quais ele quer estar espalhado.
Dentro dessa inesperada aventura – será que assim podemos chamar, considerando a situação nada animadora? -, as garotas se veem tendo que encarar questões inacabadas em si mesmas. A morte de Dan serve como um divisor de águas forçado para que reavaliem suas próprias vidas amorosas e familiares enquanto carregam, pra lá e pra cá, num tupperware, os restos mortais de um brother. Maneiro né? Uma comédia de soft absurdo que vale muito a pena.
– Loucamente Apaixonados (Like Crazy), de 2011, dirigido por Drake Doremus
POR FAVOR, por favor, por favor: não se deixe levar pela tradução horrível no título desse filme. “Loucamente Apaixonados” é lamentável, eu sei, mas eu garanto, de pés juntos, que o filme sofreu uma inacreditável injustiça com essa escolha de palavras para o português. Dito isso, posso prosseguir com a esperança de que o título pode ser ignorado e o julgamento se reservará apenas para seu conteúdo – que devo dizer que é muito muito bom. Acho que o título mais ideal, a partir da história, seria “Rasteiras que o amor nos dá”. Jacob (Anton Yelchin) e Anna (Felicity Jones) se conhecem nos Estados Unidos através de um programa de intercâmbio em que a garota estuda lá – mas mora em Londres. Os dois pombinhos se apaixonam e conectam no modo raro do amor. Aquele doce, recíproco e revigorante; intenso e que faz parecer que o mundo não teria coragem de tocá-lo visto sua preciosidade.
No entanto, a distância eventualmente põe em cheque, é claro, toda a imutabilidade da relação dos dois. Eu sei que pode parecer só mais uma história clichê de amor, mas gostaria de destacar duas coisas em defesa do filme. A primeira é que clichês às vezes funcionam e muito; e indo por esse lado, essa história é um clichê que foi desenvolvido com sensibilidade e faz jus existir. E, por último e não menos importante: ao mesmo tempo que segue a linha do previsível, o desfecho da história dos dois faz questão de mostrar o outro lado do amor, que é bem quem o sente: o humano. Portanto, mostra também suas falhas. Um filme leve e gracioso.
– Frances Ha, de 2012, dirigido por Noah Baumbach
A Greta Gerwig (diretora de Lady Bird, resenhado aqui no site) é muito fofa, linda e talentosa!!!!!!!!!!!! Ok, agora que fiz esse desabafo, influenciado até pela infantilidade da personagem que ela encarna, podemos voltar a normalidade do texto. Frances (Greta, como se eu fosse íntima) é uma mulher de 27 anos que não bem se enquadra no esperado pra sua idade. Acho que chamá-la de excêntrica pode ser uma boa alternativa. Ela vive com a melhor amiga, Sophie (Mickey Sumner), com quem divide não só o espaço mas uma vida, segundo a visão das duas, “de um casal velho de lésbicas que não transam mais”. O filme nos expõe à intimidade da amizade delas de uma maneira intimista e isso é maravilhoso. Por conta disso, Frances é “inamorável” – seus relacionamentos amorosos se mostram fracassados pela indisponibilidade emocional que a mulher parece ter.
Na minha visão, a relação que ela busca (ou exige?) em uma amizade é um pouco exagerada – mas aí que tá a genialidade do filme. Por outro lado, o discurso que Frances faz quando expressa o que quer em um namorado é divino e não posso fazer nada que não concordar com essa doida. O longa traz uma suave comédia para deslizar com a história de como as amizades mudam conforme a “vida adulta” se anuncia presente – e, bicho, o jeito é a gente tentar aqui e ali se adaptar. Aliás, é também sobre o quanto as pessoas a nossa volta mudam e, mesmo que lutemos contra, nós mudamos eventualmente. E tudo bem, é isso aí mesmo que tem que acontecer.
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