Crítica: Amigos da Clínica (Recovery Boys)
O vício em drogas ainda é olhado de maneira insensível pelo aparente livre arbítrio por trás da escolha do usuário, de maneira que tal é usada como argumento contra a criação de, por exemplo, políticas governamentais de auxílio estatal como parte de uma solução. No entanto, o assunto é muito mais complexo do que essa visão simplista. Analisar o fator que desencadeia o vício (frequentemente ligado à situação econômico-social do indivíduo) é essencial para quaisquer conclusões e isso ainda não é um aspecto relevante para muitos países. A história dos EUA, por exemplo, nos mostra que a grande preocupação se manteve em travar uma guerra contra o USO de drogas – vide governo Nixon nos anos 70 -, mas não necessariamente prover centros de reabilitação acolhendo viciados. Tal ideologia foi implementada apenas durante a administração de Obama, sendo ainda relativamente recente.
O documentário Amigos da Clínica traz a história de um centro de reabilitação independente, estabelecido em uma zona rural de Virgínia. Jacob’s Ladder é um lugar bastante inusitado se comparado ao imaginário existente de recuperação, por ser localizado em uma área aberta e possuir projetos especificamente desenvolvidos para uma recriação da vida daquelas pessoas, estimulando uma rotina ativa, sociável e saudável. Achei bastante interessante e humano, mas fiquei também com uma impressão de que infelizmente esse tipo de tratamento quase que intimista é ainda minoria – mas, ao menos, que bom que existe.
O efeito humanizador que a produção dá através de suas filmagens cautelosas e longas, já que acompanha o processo de 18 meses de recuperação e outros meses além dele, é bem sucedido e tira o estigma existente de pessoas com vício em droga. A imagem batida do indivíduo agressivo, sem instrução e etc. cai por terra quando somos apresentados aos jovens Adam, Rush, Jeff e Ryan, que, junto a outros integrantes do grupo, estabelecem uma amizade motivadora e bonita, além de terem personalidades que quebram o estereótipo. O combate dessa visão de que tais pessoas são “O Outro” é necessária: elas sofrem, tem problemas à parte das drogas com os quais podemos nos identificar, ambições, sonhos e tudo mais. A forma que o diretor opta por conduzir a história dos caras me tocou, sem que tivesse que ser apelativa ou que usasse algum artifício vitimizador.
O programa desenvolvido em Jacob’s Ladder parece muito interessante já que acolhe as pessoas de maneira quase que carinhosa, tática eficaz e eu diria essencial nesses momentos de fragilidade em que pensamentos suicidas e depressivos rondam a cabeça de ex-usuários em tratamento. O efeito disso é ressonar para a própria conduta dos usuários, tanto da maneira como encaram a própria vida, como, em especial, com a forma que estabelecem laços de irmandade. Foi reconfortante assistir à homens deixando de lado jeitões viris e toda essa merda para se abraçarem, apoiarem e encararem os próprios sentimentos durante aquela estadia.
A produção oferece uma visão que foge do romantismo da reabilitação por mostrar, também, como é a saída dos caras do programa e qual rumo cada um toma. Por meio da história de cada um, a diretora Elaine McMillion Sheldon seguramente dá conta de conscientizar o telespectador sobre o agravamento do vício em narcóticos nos EUA, especialmente na Virgínia, tida como o centro da crise devido ao aumento de taxas de overdose segundo um estudo de 2014. Deixando claro o ciclo em que tais pessoas estão inseridas, onde familiares, amigos e a cultura local orbitam ao redor do uso de drogas, McMillion faz cair por terra a mencionada ignorância de olhar o vício como um mero deslize ou até falha de caráter.
Portanto, a obra é uma importante produção para suscitar uma maior aproximação de um assunto nada agradável, mas que nem por isso deve ignorado. Não é preciso vivenciar ou ter proximidade com casos de abuso de substâncias tóxicas para ter empatia por tais situações, e isso fica transparente em Amigos da Clínica.
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