Crítica: Hereditário (Hereditary)

O gênero do terror passou por diversas fases nas últimas décadas, tendo sempre um pico de qualidade seguido por uma saturação de títulos. Geralmente quando nossa mente vaga em busca de algum filme icônico que mudou o gênero, ela pousa com certa frequência nos pioneiros ou naqueles comercialmente mais bem sucedidos com franquias que foram perdendo a essência do que as consagraram. Embora não exista uma linha clara dividindo esses subgêneros, muitas vezes com eles se reciclando e incorporando outros elementos de outros subgêneros do terror e suspense – como no caso da fase que eu mais guardo saudades e que é uma que misturava o slasher, com teen, gore e o terror psicológico dos anos 90 – é possível categorizar esses filmes pelo seu traço primário e sua estrutura em fases distintas. Aliás, recomendo fortemente que você assista e leia nosso Assista! sobre uma ode ao gênero que é “O Segredo da Cabana“.

Esse tema gera tanta controvérsia dentro do MetaFictions, que, de todos os nossos Tops, o Top 10 Filmes de Terror foi o que mais deu trabalho para elaborar devido à questão: O que é terror? Em um sem número de listas, ícones do cinema como “O Silêncio dos Inocentes” e “Alien – O Oitavo Passageiro” (com Assista! no site, um Especial e ótima posição em nosso Top 10 Filmes de Aliens) aparecem como obras-primas do terror e em outras elas sequer são citadas por serem consideradas suspense ou sci-fi. Até o dia de hoje discutimos internamente se alguns bons filmes recentemente lançados são ou não considerados do gênero e é aí que entra o longa Hereditário.

Nos últimos 5 anos, uma leva de filmes surpreendentes, que no meu entendimento podem ser considerados terror, começou a figurar entre meus longas favoritos recentes. Este “novo” terror possui algumas características muito bem trabalhadas e que produz, de fato, bons filmes para além do seu nicho, mesmo que seu marketing venda a imagem clássica do gênero. Filmes como “A Bruxa” e, xodó do MetaFictions, “Ao Cair da Noite” (com Garimpo no site), assim como Hereditário, se valem pouquíssimo dos famosos jumpscares, de imagens brutais/chocantes de violência e cenas de sexo/nudez (um requisito quase, né?). Ao invés disso, todos esses filmes se estabelecem na tensão entre os personagens em um ambiente hostil, físico ou psicológico, com paranoias construídas cuidadosamente por um roteiro magnífico, uma direção de arte que cria uma atmosfera de medo e, no caso de Hereditário, uma edição fabulosa e não ortodoxa. No entanto, um efeito colateral dessas características é que não são obras fáceis e não agradam ao grande público que vai ao cinema achando que verá um “Jogos Mortais“.

Em HereditárioAri Aster apresenta a história de uma família que acabara de perder um ente querido, a mãe de Annie (Toni Collette). Ela, por sua vez, é uma mulher com questões psiquiátricas sérias, em um casamento levemente abalado e com dois filhos com quem tem uma relação distante. Como falado acima, toda a trama se desenvolve na relação entre esses personagens e em como Annie lida com o luto, em especial após começar uma amizade com a misteriosa Joan (Ann Dowd). Daí pra frente, o longa vai lapidando a sua percepção, com acontecimentos inesperados e eventos do passado, que culminam em um final que faz jus ao título.

Dentre as peças centrais, Toni Collette é algo de outro mundo na sua interpretação de Annie, trazendo em suas expressões um semblante de confusão mental, dor, MUITA DOR, e paranoia de uma forma que às vezes eu me assustava ao ponto de sussurrar baixinho “sai de perto dela”. Geralmente essas cenas ocorriam na sua relação com seu filho mais velho, Peter, interpretado por Alex Wolff, proporcionando as melhores cenas do filme. Hereditário apresentou duas surpresas, a atriz mirim Milly Shapiro, dando vida à enigmática e problemática Charlie, em uma atuação que me deixava angustiado, e Ann Dowd, já consagrada na série “O Conto de Aia“, mostrando que pode ir muito além nesse mundão hollywoodiano.

Se é que eu posso fazer alguma ressalva ao longa, fatalmente seria nas forçadas de barra do roteiro para levar a obra a um ponto específico, mas eu não saberia dizer ao certo se eu não me submeteria ao que Annie se submete para aplacar a dor da perda de uma pessoa próxima. Outro ponto que incomoda levemente é o ritmo da obra, que, no seu terço final, fica alucinante, causando uma sensação de que as coisas estão acontecendo rápido demais e em uma proporção não muito razoável. No demais, Hereditário é uma obra de terror (sim, terror!), em um movimento crescente de lançamentos que eu espero que vingue e continue produzindo essas jóias para nosso deleite.

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