Crítica: Marlon - 1a Temporada
Talvez o formato mais tradicional da televisão americana, a sitcom no Brasil tem em “Friends” seu case de maior sucesso, ainda que outras tantas como “Seinfeld”, “That 70’s Show” e “How I Met Your Mother” também tenham seu público cativo. Nesta mesma esteira, há uma espécie de sub-gênero da sitcom que é aquela produzida e estrelada por negros americanos, mostrando uma versão EXTREMAMENTE branda da realidade do negro naquele país. Tudo começou com o agora massacrado e execrado Bill Cosby em seu “The Cosby Show” e passou por comédias que, graças ao SBT, caíram no gosto do público brasileiro, como “Um Maluco no Pedaço” (que revelou ao mundo Will Smith) e a mais recente e pertinente para esta crítica “Eu, a Patroa e as Crianças”.
Esta última, produzida pelos irmãos Wayans – também responsáveis por algumas das maiores, mais fumegantes e mais divertidas merdas dos últimos 20 anos, como a franquia “Todo Mundo em Pânico” e “As Branquelas“, filme brilhantemente analisado pela nossa rainha Larissa Moreno em um Nostalgia -, mostrava a vida normal de uma família negra de classe média americana. Ainda que removida da realidade crua dos guetos e dos projects, “Eu, a Patroa e as Crianças”, assim como suas antecessoras, teve o mérito inegável de trazer a vida e as idiossincrasias desta parcela da população americana ao mainstream, de certa forma até mesmo ajudando a quebrar estigmas.
Dito tudo isso (e eu não vou entrar aqui no mérito da excelente “Todo Mundo Odeia o Chris” porque ela passa um pouco ao largo do formato tradicional do gênero), Marlon, série produzida para a TV aberta americana pela gigante NBC (com 2a temporada estreando, por acaso, hoje nos EUA) e distribuída aqui como original pela Netflix, é basicamente um “Eu, a Patroa e as Crianças” 2.0, a começar pelo protagonista. Onde antes brilhava a careca reluzente de Damon Wayans como Michael, o patriarca da família Kyle, aqui vemos Marlon Wayans, irmão de Damon, como Marlon Wayne, pai de dois pré adolescentes e divorciado da mãe deles, mas com quem ainda mantém uma relação de carinho e amizade.
Marlon é separado de Ashley, mas isso não o impede de manter uma relação com ela melhor do que a da maioria dos casamentos por aí e tampouco de estar sempre na casa dela com os filhos, em uma demonstração clara logo de cara de que a série se preocupa em apresentar um novo tipo de família, que é um tanto disruptivo no tradicionalíssimo mundo das sitcoms. E, para deixar a coisa ainda mais modernosa, Marlon tem aquela que talvez seja a ocupação mais odiosa e representativa destes novos e desesperadores tempos: Youtuber profissional.
Em Marlon, o show é todo de Marlon Wayans e isto é ao mesmo tempo um ponto alto e um ponto baixo da série. Alto porque ele parece ser o único ator profissional do elenco, com o resto dele entregando performances a la Zorra Total de 10 anos atrás, e Wayans é um ator experimentado, com bons filmes no currículo (destaque para a obra-prima Réquiem para Um Sonho) e com um bom timing cômico. Isto, contudo, muitas vezes prejudica a série porque acaba fazendo com que cenas e diálogos se estendam dolorosamente até que deixem de ser minimamente engraçados somente para que Wayans faça a sua graça. Algo um pouco parecido com o Paulo Gustavo, mas com alguém menos talentoso para a comédia.
O roteiro, ainda que se mantenha bem atual, abordando temas que são relevantes para a família americana, em especial no que tange a criação das crianças, não deixa de ser, como acontece com muita frequência no gênero, um pouco bobalhão e derivativo, com personagens bem clichezentos, como o amigo abeiro de Marlon e a amiga meio safadinha (e peça muito firme) de Ashley. Contudo, estes são elementos bem comuns no gênero e, apesar de repetitivos, não chegam a realmente incomodar tanto quanto as performances no máximo medianas da maior parte do elenco.
Apesar de suas muitas falhas, Marlon é uma sitcom honesta, divertida e que toca em assuntos atuais, ainda que de forma muito superficial, mas que ainda é ofuscada pelo brilho reluzente da careca de Michael Kyle e do legado cheio de memes de “Eu, a Patroa e as Crianças” e por seu elenco e direção realmente abaixo da média. Isto tudo, contudo, poderia ser perdoado, se Marlon fosse realmente engraçado, mas infelizmente não é o caso.
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