Crítica: A Morte de Stalin (The Death of Stalin)

Nazismo não é de esquerda, comunismo e socialismo são coisas diferentes, é biscoito e não bolacha e playstation é melhor que xbox. Dito isso, de 1924 até 1953, o mundo conheceu um terror como nenhum outro: viver sob o regime socialista de Josef Stalin. Há grandes debates, publicações acadêmicas, livros e sites de fake news que exploram aquele que talvez seja um dos maiores responsáveis pela perda de vidas humanas no globo. No entanto, ele exerceu um grande papel no crescimento da economia, poderio bélico e importância que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas desfrutou nas décadas pós 2a Guerra Mundial (1939-1945), sendo muito mais importante na derrota do Terceiro Reich do que o cinema norte-americano insiste em retratar (e a um enorme custo de vidas soviéticas).

Refazendo sua última noite de vida e a transição de poder, A Morte de Stalin é uma gloriosa comédia sobre um dos momentos mais tensos da URSS e que ficou envolto em mistério por muito tempo, já que a infame “Cortina de Ferro” não deixava passar qualquer notícia do leste europeu. Em resumo, a obra é bem pontual, vemos Stalin morrendo e a briga que se seguiu no alto escalão soviético para ocupar o trono. Mas há aqui uma jogada que torna o filme agradabilíssimo.

Mesmo sendo uma comédia que funciona por si só, tirando gargalhadas da audiência, em diversos momentos 3 ou 4 pessoas (eu incluso) na sala do cinema achavam algum comentário engraçado, justamente pela obra se valer de personalidades históricas e usar suas características de forma exacerbada, como um estereótipo delas mesmas, tornando uma situação corriqueira numa excelente crítica ao regime. Mas se você acha que Nikita é ou uma música do Elton John ou uma série dos anos 90, provavelmente perderá a essência do longa. E que maravilha é o elenco que dá vida a esses personagens históricos.

Contando com personagens importantes, como os filhos do falecido e diversos dirigentes soviéticos, Simon Russell Beale que interpreta Beria, uma das figuras mais sanguinolentas da URSS, responsável por alguns massacres, pelo Grande Expurgo de 1930 e chefe da NKVD (que após sua dissolução teria partes da suas funções herdadas pela muito mais reconhecida KGB), Jeffrey Tambor interpretando Malenkov, “vice” de Stalin, Jason Isaacs incorporando com uma presença magnética (o que ele tem de sobra e com uma tremenda cara de filha da puta) um dos mais famosos generais da 2a Guerra e líder do exército vermelho, Zhukov, e Steve Buscemi em um dos seus melhores papéis como Nikita Khrushchev, um reformista dentro da União Soviética, carregam 99% da trama apenas em diálogos muito bem escritos e conduzidos pela direção firme de Armando Iannucci, que, confesso, passarei a acompanhar mais de perto.

Vai dizer que não tem?

Obviamente que o trabalho de Adrian McLoughlin, que dá vida à Stalin, merece reconhecimento. O medo imposto por suas expressões, trejeitos e falas aos que o cercavam foi sentido no âmago do meu ser e me fazia falar baixinho “hum… esse vai morrer”. E esse é o grande trunfo do longa, expressar numa comédia de grande liberdade artística um evento histórico de uma realidade extremamente obscura e que vitimou milhões. Várias cenas de torturas e execuções ordenadas pelas famosas listas de Stalin, permeadas pelas menções dos gulags (campos de trabalho forçado) e “acidentes” aéreos, têm uma leveza que não choca, mas ao mesmo tempo, o que pode parecer paradoxal, carregam um tom relevante de crítica.

Como bem apontou Rene Vettori em nosso Garimpo NETFLIX: Filmes Políticos, a revolução bolchevique devorou seus próprios líderes motivada pelo fome de poder de certos indivíduos. Ver cenas com poderosos dirigentes treinando piadas em casa com as esposas ou discutindo a reação de Stalin ao ouvi-las com seus colegas mostra quão incerta era a vida nesse período (Trótski que diga). A Morte de Stalin é um retrato infiel ao ocorrido, mas que ocorreu. E como tenho dito: “Foi Golpe!” Não… pera.

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