Crítica: Pérolas no Mar (Hou lai de wo men)
Há apenas 3 filmes que eu considero obras-primas do cinema – todos estrelados, coincidentemente, por Brad Pitt – que eu espero nunca mais assistir na vida: “Os 12 Macacos”, “Clube da Luta” e “Seven – Os Sete Pecados Capitais”. Os filmes dessa “lista negra” de construções magistrais de narrativa cinematográfica me impactaram de tal maneira que senti-me mal, por dias, remoendo o conteúdo de tais histórias e prometi a mim jamais passar nem na porta de qualquer lugar que exibisse tais películas, apesar de ter a consciência imutável de que estão dentre os melhores filmes que assisti na vida. Acreditava, até então, que não haveria mais um novo acréscimo àquela divina (ou nefanda) trindade. Hoje pela manhã assisti, desavisadamente, a um filme Chinês a pedido do nosso querido Gustavo David.
Pérolas no Mar (chamado “Us and Them” nos EUA), lançamento do dia na Netflix é o quarto filme dessa minha lista e, diria eu, a partir de hoje, a encabeça.
后来的我们 no original – Hou Lai do Wo Men que significa, segundo o “muy confiável” Google Translator, “Nós mais tarde” – é um drama daqueles de rasgar o coração que fazem com que a gente queira desligar a TV com um olhar vazio, cambalear até um bar esfumaçado, pedir uma dose dupla de whisky e passar as próximas 4 horas contando as próprias desventuras pro barman. O filme narra os encontros e desencontros de Jian-qing (Boran Jing, que, pelo que pude descobrir no IMDB, atuou em vários filmes de ação mas está mais do que em casa nesse dramalhão) e Xiao-Xiao (Dongyu Zhou, no papel daquela menina fofa e maluquinha por quem é impossível não se apaixonar).
Os dois se encontram pela primeira vez no inicio dos 20 anos, dentro de um trem daqueles que tem criança chorando e roupa pendurada na janela, voltando de Pequim para passar o ano novo com as respectivas famílias, ambas da mesma cidadezinha do interior da China. Jian-qing é um universitário sonhador e pobretão vivendo num cortiço em Pequim, apaixonado por videogames, com uma ideia pra um jogo que, segundo ele, vai mudar sua vida. Xiao-Xiao está decidida a arrumar um namorado rico e mais velho que lhe dê casa, comida e roupa lavada (e, se possível um anel no dedo). Dez anos depois os dois se esbarram novamente, dentro de um avião, também retornando para casa na véspera do ano novo, e, presos no aeroporto por causa do mau tempo, decidem fazer uma longa DR, daquelas pra dar encerramento ao relacionamento que acabou mal há anos.
O filme se desenvolve com saltos de tempo. Não exatamente flashbacks, mas cenas paralelas do passado e do futuro, que pontuam ou concluem umas às outras. O passado é dividido em vários atos ou capítulos, focando no que acontece nos dias que precedem o ano novo Chinês, de 2007 a 2015, criando um contraponto entre a vida dos jovens e a vida do pai de Jian-qing, um velhinho bonzinho, dono de um restaurantezinho pé-sujo em sua cidade-natal. Vemos o desenvolvimento da relação dos dois a partir da relação que cada um constrói com tal “sinhôzinho”, nas viagens para a festa de ano novo ou na forma como os dois mandam notícias a ele.
A fotografia (belíssima!) também é utilizada para fazer-nos sentir tais saltos de tempo e sentimento. O presente, quando os dois se reencontram, é em preto-e-branco, formal e um tanto desemocionado. O passado é colorido, indo de cores pastéis etéreas, quase mágicas quando eles estão felizes, a escuras e frias quando estão tristes. A história, baseada no que eu suponho ser um livro infantil chamado “Home – Chinese New Year” (como aparece no fim do filme) ou “Home for Chinese New Year – A Story Told in English and Chinese” (como aparece na Amazon… sim, é desses filmes que faz a gente abrir o Google e ir procurar se tem mais alguma coisa sobre ele em algum lugar que preencha o vazio que ficou no peito e, curiosamente, encontra-se muito pouco, mesmo no IMDB!) fala de escolhas erradas, de mensagens erradas ou mal interpretadas, do medo que temos de nos abrirmos quando somos jovens e da perda daquele momento… sabe aquele momento que, nas sábias palavras de Jack Sparrow, “Foi esse…”?
O filme não tem absolutamente nada sobrando, nem nada faltando. A história é uma historinha comum, de duas pessoas comuns, e não conta nada de novo dentre os filmes do gênero. Seu mérito está na forma que oferece o texto, que parece ter sido “copy” e “paste” de algum momento de nossas vidas ou da vida de alguém que conhecemos, e, mesmo que envolto em uma certa “breguice” típica de filme dramalhão romântico, se você algum dia já amou alguém de verdade, vai facilmente se identificar com a mensagem do filme, seja você homem ou mulher.
Ao fim de uma hora e cinqüenta e nove minutos impecáveis em que me senti sem ar pelo menos uma vez a cada 15 minutos, o filme se encerra daquela maneira que apenas o brilhantismo do cinema asiático poderia oferecer: com o fim. Daqueles fins que fazem a gente engolir em seco e, boquiaberto, praguejar “tá de sacanagem que vai acabar assim!”. Não apenas o filme termina de maneira inexorável mas tem a pachorra de tentar nos oferecer um silver lining, um sorriso ou um afago em meio à tamanha tristeza, como que quisesse nos devolver a esperança de que, sim, poderemos voltar a ser felizes em nossas vidas comuns depois que o filme acabar. E o que é mais absurdo: consegue! Ao subir o letreiro eu apertei o botão de “pause”, encolhi-me em posição fetal e chorei como uma criancinha por uns 20 minutos enquanto as cenas rolavam na minha cabeça. Quando meu cachorro terminou de lamber meu rosto abanando o rabinho, tentando me animar, eu, ainda incrédulo com tal fim, resolvi avançar as letrinhas em Chinês, com a esperança vã de que houvesse uma “cena depois dos créditos”. E, caralho, puta que os pariu, há! Não uma que nos ofereça qualquer esmola de um “final feliz” tradicional, mas uma tão, mas tão bonita que, no que me diz respeito, a Marvel deveria ter a humildade de não mais tentar incluir algo do tipo em seus filmes. Não apenas tal cena complementa o filme (na verdade duas cenas diferentes, em seqüência… assita até o último segundo do filme!), como também se utiliza de um elemento bastante peculiar da história (sem spoilers aqui) como um gancho redondo (ainda que breguinha) pra nos dar aquele último tapa na cara com luva de pelica.
Ignore o que eu disse sobre jamais querer assistir ao filme novamente. Quem sabe, como num bom jogo de videogame, se você assistir uma segunda vez você pega um caminho diferente e chega a outro fim, não é mesmo?
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