Garimpo Netflix: Filmes Políticos
Os novos acontecimentos da História do Brasil, esboçando um cenário pré-apocalíptico como não visto desde a década de 1980; a união de uma classe trabalhista em torno de reivindicações das mais legítimas, mostrando a força de um grupo relegado para baixo de um segundo plano pelas esferas do poder; e os preconceitos de uma sociedade de legado escravista, que mantém a lógica da servidão sempre presente em suas relações cotidianas, poderiam ser resumos de alguns dos títulos do Garimpo Netflix dessa semana. Mas são tão somente uma síntese do que ocorre em um país onde o vácuo político e as brigas partidárias de uma sociedade que não sabe se ler se perpetuam a cada dia.
Inspirado pelas temáticas sugeridas nessa semana que colocou em cheque o conforto das mais abastadas das classes populares, dividindo ainda mais os grupos sociais que defendem um ou outro lado, polarizando discussões, alimentando preconceitos e construindo um abismo maior entre as pessoas, a indicação de hoje é forjada no tema comum a cada um dos três títulos – vindos da Holanda, México e Estados Unidos – mostrando que toda e qualquer ação nossa é, obrigatoriamente, um ato político.
– Layla M., de 2016, dirigido por Mijke de Jong
Layla (muito bem por Nora El Koussour) é uma muçulmana que vive na Holanda, junto com seus familiares. No entanto, ela não é aquele tipo de imigrante que deseja esquecer suas origens e começar uma vida do zero. Ela é a representação fiel do que é se manter ligado àquilo que a formou. Uma resistente dentro de sua própria família, Layla faz de tudo para declarar abertamente suas crenças, tornando-se cada vez mais radical em suas proposições. Esse radicalismo, porém, leva a personagem para lugares cada vez mais obscuros.
Representante da Holanda para obter uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Layla M. nos traz uma história forte de como é ser muçulmano radical longe dos seus comuns, de como é a incessante busca individual para encontrar seu lugar, ainda mais quando se é uma estranha em uma terra estranha. Através dos olhos de Layla, mergulhamos no universo próprio de uma garota a encontrar sua identidade.
– O Eleito (El elegido), de 2016, dirigido por Antonio Chavarrías
“Comunistas não conseguem nem organizar um piquenique”, disse a personagem Ada Shelby, da série Peaky Blinders (presente em nosso Garimpo Netflix: Ambição). Há quem diga, ainda, que a esquerda só se une na prisão. De uma forma ou de outra, as vertentes socialistas são tantas que, de fato, os esquerdistas se caçam a si mesmos, enquanto a direita permanece junta em torno do dinheiro. Muitos são os exemplos: anarquistas que ajudaram na Revolução Russa de 1917 são, posteriormente, exterminados por Lenin e seus “amigos” Trotsky e Stalin. Mas a trindade vermelha também ilustrará as frases que iniciam o parágrafo.
O Eleito conta a história real de Ramón Mercader (em firme atuação do bom ator Alfonso Herrera), mexicano socialista que integra a equipe de espionagem Soviética e é eleito para executar a ordem do “camarada” Stalin: tirar a vida do ex-“camarada” Trotsky, exilado no México há anos. Um misto de drama e suspense de espionagem vai tomando forma, enquanto acompanhamos os momentos da vida de Ramón, que passa a ter uma nova identidade, uma nova memória, uma nova história. Tudo isso para ser bem-sucedido nessa tarefa que o Partido (lá do outro lado do Planeta) coloca a ele. Romances, medos, dramas e uma convicção de fazer reverência são os principais elementos que compõem esse personagem histórico.
– O Mordomo da Casa Branca (The Butler), de 2013, dirigido por Lee Daniels
Nunca a comunidade negra esteve tão em evidência, seja na mídia, seja fazendo valer seus direitos, obtendo, portanto, visibilidade necessária. Por muito tempo, a visão padronizada hetero-branco-europeia-masculina relegou o papel do negro a quase nada, por vezes diminuindo desde suas características físicas até sua posição na sociedade. Mas essa mudança se deve há séculos de luta. A mim é muito claro que jamais devemos deixar de pensar historicamente.
Lee Daniels faz um panorama da luta do negro na sociedade norte-americana em seu excelente O Mordomo da Casa Branca, ao contar a história de Cecil Gaines (pelo sempre maravilhoso e carismático Forest Whitaker), um dos mordomos na Casa Branca (durante oito presidentes ao longo da História do país), homem negro corretíssimo, de um profissionalismo impecável, que faz de tudo para sustentar plenamente sua família. Porém, sua condição de “servo” dentro da Casa de cor branca, regida por homens de cor branca, é contestada por seu filho Louis (pelo ótimo David Oyelowo), que opta por quebrar a lógica de servidão imposta historicamente a seu grupo racial.
Através da figura de Louis, entendemos os movimentos pacifistas, os de violência e os de luta democrática da comunidade afro-descendente em solo estado-unidense. Daniels vai costurando lado a lado os embates ideológicos de pai e filho, enquanto nos resume magistralmente, em suas 2h12min, a longa trilha daqueles que só querem provar, de fato, o real sentido do trecho mais conhecido da Declaração de Independência deste país: “São verdades incontestáveis para nós; todos os homens nascem iguais; o Criador lhes conferiu certos direitos inalienáveis, entre os quais os de vida, o de liberdade e o de buscar a felicidade”.
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