Crítica: Calibre
Eu queria fazer um serviço de utilidade pública aqui antes de falar qualquer coisa a respeito deste filme. Não vejam o trailer. De verdade. Fiquem longe dele. Calibre (que no inglês do Reino Unido é grafado identicamente ao português)é um thriller no qual um único acontecimento vira de ponta cabeça a vida de dois sujeitos. E o trailer, o que me deixa puto da cara, conta qual é este acontecimento. Eu vi o filme já tendo este semi-spoiler na mente e tenho certeza que a película teria me impactado mais caso eu não tivesse visto o trailer. Se você já viu o trailer, não tema, ainda estamos diante de um bom filme, que cumpre bem o que se propõe a cumprir, apesar de algumas escolhas um tanto esquisitas.
Em Calibre, Vaughn (Jack Lowden) é convidado por seu melhor amigo, Marcus (Martin McCann, idêntico a Michael Fassbender ao mesmo tempo que não), a passar um final de semana em algum lugar espetacular e idílico no meio das Highlands escocesas para caçar. É uma última viagem juntos que os amigos farão antes que nasça o filho de Vaughn. A ideia de dois amigos-irmãos passando um último final de semana juntos bebendo e se embrenhando pelo mato em um cenário que parece algo realmente extraído de um romance de Tolkien (e eu estive lá por algumas semanas para dizer que é realmente fabuloso) é algo tentador demais para ser recusado por Vaughn, mesmo quando ele quer mesmo é ficar em casa com sua mulher e o bacuri que cresce em sua barriga.
Ainda na infância do nosso site e em outro formato do nosso quadro Garimpo, eu mesmo indiquei um filme sensacional chamado Tudo por Justiça. Nele, o personagem de Christian Bale tem um embate com o acaso que vira ao avesso não só a sua vida, mas a vida de todos ao seu redor, sendo esta obra um tour-de-force sobre a absoluta falta de controle que temos sobre as nossas vidas e do quanto dela está totalmente entregue ao acaso.
A moral de Calibre é a mesma. Após uma 1a noite excelente na cidadezinha de Culcarran, um vilarejo fictício em decadência liderado pelo gente boa Logan (o excelente Tony Curran), os amigos partem para sua 1a manhã de caçada, quando então o tal do acaso toma conta das suas vidas e absolutamente tudo vai para o caralho, desafiando os laços da mais verdadeira amizade havido entre a dupla de protagonistas, seus princípios morais e preceitos éticos.
É a partir daí que a narrativa se desenvolve em um roteiro que, se acerta e surpreende em seu final (ainda que a última cena mesmo seja meio “que porra foi essa?”), força um pouco demais o rumo da história por um caminho conveniente e não orgânico a maior parte do tempo. Coisa parecida acontece com a fotografia, correta e esteticamente impressionante em determinados momentos, que incomoda ao abruptamente intercalar cenas com uma câmera tremida que parece fora de contexto e uma iluminação noturna que tenta emular a lua mais cheia da história deste planeta mesmo com uma chuva que a impediria de iluminar qualquer coisa.
Apesar de irregular, Calibre ainda consegue cumprir com competência seu papel, entregando um bom thriller com bons momentos de tensão. Bem atuado e bem dirigido, nada falta e nada sobra neste thriller de estreia de Matt Palmer (que também o escreveu), cineasta que mostra promessa e em quem certamente manterei meus olhos para o futuro.
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