Crítica: Caninos Brancos (Croc-Blanc)

Caninos Brancos é uma publicação de Jack London constantemente revisitada pelo cinema, basta você jogar o título no IMDB para encontrar diversas entradas. De todas elas, a única que eu me recordo é a versão da década de 1990 com Ethan Hawke. Mesmo sem rever o longa há pelo menos 20 anos, minhas memórias me remetem a um mundo duro, com laços sentimentais construídos a muito custo e quebrados com facilidade. Quem já teve/tem cachorro (e eu tenho 5), sabe a confiança que envolve a relação entre um cão e seu humano. Nós fazemos tudo juntos; dormimos, brincamos, cuidamos e somos cuidados, passamos por momentos difíceis e felizes. O elo que nos liga é muito forte e uma vez quebrado é difícil reconstruí-lo. Essa era a essência que “Caninos Brancos” (1991) conseguia trazer a partir do ponto de vista do cão mestiço com lobo que dá nome ao filme. É tentando recriar esse cenário em uma animação para crianças que Caninos Brancos, animação de produção francesa, estreia na NETFLIX.

A estrutura e as fases pelas quais nosso mestiço passa em sua jornada ainda são as mesmas. A relação do filhote com sua mãe ao descobrir o mundo selvagem, muito contemplativa e cruel, mostrando que a natureza tem um processo seletivo exigente e que cobra preços altos, constantemente capitais. Há a domesticação por nativos-americanos, quando animais, em especial o lobo, passam a exercer algumas tarefas para os seres humanos – proteção, caçador, animal de carga – em troca de comida e abrigo. Relação essa de muita importância para a história da humanidade e fundamental para a criação de uma espécie que exercerá por séculos distintas funções para nossa sociedade, o cão. Infelizmente, o ser humano também é especialista em explorar outros animais para seu entretenimento mesmo que isso seja abusivo, cruel e criminoso. Essa experiência traumatiza a maior parte dos espectadores e marca Caninos Brancos profundamente. E finalmente temos a fase que a maior parte dos cães atualmente desfruta, ser um animal de companhia.

Embora estruturalmente a obra siga o mesmo caminho, não há construção afetiva em nenhuma das partes. Caninos Brancos passa de mão em mão e por percalços sem o peso que as situações requerem, muito disso “culpa” do público alvo da animação. Não dá para ter cenas de adestradores maltratando cães para fazer rinhas sem traumatizar uma pessoa pra vida, nem mesmo mostrar lobos lutando em sua hierarquia rígida, o que é essencialmente a mesma cena, mas com uma servindo o propósito exclusivo de entretenimento humano. E isso é importante para a obra, que perde ao não focar nessa sutil e fundamental diferença. Nem preciso dizer que não há sangue, palavrões e pessoas sendo baleadas.

Outro aspecto importante é a corrida ao ouro no Alasca, que aqui sequer existe, e que servia de contexto para as mudanças de Caninos Brancos, dessa vez ficando a cargo da relação entre um xerife, um nativo americano e um antagonista que manda mais que o xerife, todos com diálogos e motivações muito infantis. Mesmo não chegando a incomodar, a escolha gráfica para a animação foi um tanto curiosa. Parecia que eu estava vendo alguma cutscene gigantesca de algum jogo, inclusive a animação lembra MUITO o estilo do jogo Firewatch (com MetaGames no site) da Campo Santo. Enquanto em Firewatch ela funciona muito bem, em Caninos Brancos ela falha em transmitir as expressões faciais tão importantes em obras com carga emocional elevada e com muitas cenas entre um cão e um ser humano, onde não há falas.

Sendo feito para crianças, Caninos Brancos falhou em mostrar o mundo sob a perspectiva de um canídeo mestiço passando por diversas fases em sua vida e criando/desfazendo laços afetivos com pessoas que cruzam seu caminho. Mas mesmo assim, ainda conseguiu arrancar uma lagriminha ou outra em momentos-chave. Crianças talvez venham a apreciar, mas recomendo para a leitura do clássico de Jack London ou a obra de 1991.

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