Critica: Duck Butter
Esmegma. É ao mesmo tempo a tradução livre do título do filme e também sua sinopse. Bonito, não? E é isso aí mesmo. Só não posso explicar o porquê, porque seria spoiler. Duck Butter, lançado ontem na Netflix, é um desses filmes bem difíceis de explicar ou categorizar. É difícil até mesmo de traduzir o título. Tanto que decidiram não traduzi-lo e ele foi lançado no Brasil com nome em inglês mesmo (coisa que, talvez, devessem fazer com mais frequência). O filme conta a história do primeiro encontro entre Naima (Alia Shawkat, que não apenas estrela mas também co-assina o roteiro do filme) e Sergio (Laia Costa, que também é creditada como produtora), duas mulheres bastante diferentes que se esbarram de maneira inusitada e se envolvem numa daquelas noites em que tudo se encaixa perfeitamente e aquela transa acontece inesperadamente, mas, ao mesmo tempo, como conseqüência absolutamente natural da intimidade que se construiu ao longo da noite.
Naima é uma atriz desconhecida, dessas que faz milhões de testes mas só consegue trabalhos em comerciais. Muito reprimida e metódica, ela caga a maior oportunidade de trabalho que lhe apareceu até então. Sergio é uma cantora/pintora espanhola, dessas garotas ultra-super-mega-artísticas-pra-caralho que vive toda a sua vida de forma experimental e intensa. Desiludidas com a falta de honestidade em seus relacionamentos anteriores as duas decidem passar as próximas 24 horas juntas e acordadas, transando de hora em hora e conversando, de forma a se conhecerem da maneira mais honesta possível. Talvez por conta de tanto sexo, ou da privação do sono (ou do vinho e da maconha ou de tudo um pouco), as duas vivem uma montanha russa de emoções extremas, cada uma desafiada pela personalidade da outra, de tal forma que as 24 horas resumem claramente os altos e baixos de um longo e profundo relacionamento.
O filme se passa todo em um universo queer mas não precisaria ser e acho que esse foi um de seus objetivos. São duas mulheres que de inicio acredita-se lésbicas, mas que descobre-se (ou desconfia-se) dentro dos diálogos que são bissexuais. Uma delas tem um nome masculino e uma personalidade bastante masculina mas maneirismos e aparência femininos. A outra se descreve, num trecho de um diálogo, como Tomboy (uma garota com características e comportamentos típicos de um menino) mas que assume aquela posição estereotipicamente frágil, quase submissa, que muito se viu nos papéis femininos de dramas românticos de outras épocas. Essa quase androginia de personagens e situações faz com que, a partir de certo momento, o fato de serem duas mulheres juntas se torne menos relevante do que o fato de serem duas pessoas juntas, independente de gênero. E isso dá ao filme uma outra dimensão: o relacionamento passa a ser o personagem principal.
Concebido como uma “comédia experimental” (o filme é quase nada engraçado e, não fosse por ter lido a sinopse, eu o descreveria como um “drama de situações”) pelo diretor Miguel Arteta (que dirigiu vários episódios de séries famosinhas) e Alia Shawkat, o roteiro original se passaria num período de um ano e meio e teria como personagens principais um homem e uma mulher que decidem ter sexo de hora-em-hora para encontrarem intimidade. O roteiro foi, então, reescrito para incorporar a atriz Laia Costa como personagem principal depois que o ator escalado como protagonista se sentiu desconfortável com a história. O filme foi filmado em 9 dias, sendo boa parte das tomadas principais filmadas, de fato, em 24 horas. Tal experimentalismo rende atuações realistas, quase “não atuações” em que os diálogos parecem improvisados e o cansaço real das atrizes passa a transparecer, e isso não é algo ruim. Ambas as protagonistas mergulham em seus papéis de maneira bastante convincente e o resultado final só não é brilhante por uma certa bidimensionalidade dos personagens. Sergio é sempre dominante, extrema e imprevisível, Naima é sempre reprimida, submissa e previsível, até que, aproximando-se do fim do filme, quase que numa tentativa de mostrar alguma evolução dos personagens, uma assume características da outra – já que há sempre uma troca com nossos parceiros – e ficamos com um gostinho de artificialidade.
Ainda assim é um exercício interessantíssimo de cinematografia e eu recomendo muito a qualquer um que ambicione vir a ser um cineasta ou ator, ou a qualquer pessoa que aprecie observar as interações humanas.
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