Crítica: Final Space - 1a Temporada

Com a exceção de alguns animes – que possuem temáticas e animações bem maduras desde os anos 80 – desenhos animados sempre foram vistos como forma de entretenimento para crianças, especialmente no ocidente. Tirando um punhado de desenhos feitos para adultos, fora da curva e a frente de seu tempo, como “Heavy Metal: Universo em Fantasia“, “Spawn – O Soldado do Inferno” e “Beavis and Butt-Head” (todos alvos de duríssimas críticas à época), eu não me recordo de ver nada que chegue perto de chocar visualmente, emocionalmente ou filosoficamente como a leva de animações produzidas ou distribuídas pela NETFLIX recentemente com o foco direcionado para todas as faixas etárias. Tivemos “Big Mouth” com o descobrimento da sexualidade em diversas situações escrachadas, “Rick and Morty” (que é originalmente do Adult Swim do Cartoon Network) com suas indagações filosóficas e o ostracismo de “Bojack Horseman“, apenas para citar as estrelas. A maioria é episódica, sendo um forte atrativo de uma audiência casual, alguns são híbridos, com uma estrutura episódica e um fio condutor serial, o que atrai tanto o público casual como o hardcore, e temos o serial, que domina as produções live action, mas que nos desenhos ocidentais ainda tem papel discreto. Esse formato serial requer comprometimento para tirar o melhor da obra, mas, quando bem feito, produz pérolas magníficas, como o Final Space.

É bom pra caralho. Isso resume o que Olan Rogers e David Sacks criaram em 10 episódios de 22 minutos. Fazia tempo eu não me divertia tanto e consumia episódio atrás de episódio para descobrir o que aconteceria com Gary Goodspeed (Olan Rogers) e sua trupe. Mas calma, estou me adiantando muito. Em primeiro lugar preciso ressaltar que Final Space é melhor apreciado caso você seja consumidor ávido da cultura pop geek. Você gostou e pegou mais de 15 easter eggs em “Jogador Nº 1“? Caso sua resposta seja positiva, então prepare-se para algumas boas horas inserido em um mundo muito familiar de comédia, aventura e ação. 

Começamos com Gary à deriva no espaço em seu traje em meio a escombros e corpos desfigurados ao mesmo tempo que conversa com HUE (Tom Kenny), uma espécie de inteligência artificial, sobre trivialidades enquanto seu oxigênio vai se esgotando assim como sua esperança de sair daquela situação vivo. Daí para frente vemos todos os eventos que o levaram a tal destino, que se inicia dias antes na nave onde ele cumpria uma pena de 5 anos consertando satélites. Em um desses reparos ele conhece um ser verdinho – que lembra aqueles porcos do Angry Birds – que só sabe falar palavras soltas e sem sentido que Gary batiza de Mooncake (e você descobre depois o porque desse nome). Mas seu nome real é E-351 e ele está sendo procurado por caçadores de recompensa enviados por Lord Commander (David Tennant). Enquanto isso na Terra, Quinn (Tika Sumpter) – paixão e motivo de Gary estar cumprindo sentença – inicia uma investigação sobre uma anomalia gravitacional que derrubou uma nave da Guarda Infinita, o que a leva ao espaço. O destino dos 3 se cruzam e temos uma história emocionante e repleta de reviravoltas.

O universo de Final Space possui traços próprios bem distintos, mas abusa (no bom sentido) nas referências à clássicos da ficção, servindo de plataforma para acolher o espectador e para fazer críticas divertidíssimas. Gary é a personificação do pedante carismático em busca de redenção, como o Star Lord dos “Guardiões da Galáxia“, e divide a nave Galaxy One com HUE, numa atuação magistral de Tom Kenny em um tributo ao HAL 9000 de “2001: Uma Odisséia no Espaço“, com o mesmo tom, tempo e estrutura das frases. Mais espetacular é a presença de KVN (Fred Armisen), robô muito inconveniente que sempre está falando e tocando os outros de forma inapropriada. Ele é constantemente esculachado em uma alusão ao escândalo de Kevin Spacey (KVN tem pronúncia similar à Kevin). Caso a sua memória não falhe, Spacey deu voz a um robô chamado GERTY na obra “Lunar” que tinha essencialmente a mesma função: não deixar seu único cosmonauta ir à loucura.

As duas franquias de space opera mais famosas estão muito bem representadas no Lord Commander, que é essencialmente um Lord Sith, e na Guarda Infinita, que é a Federação Unida dos Planetas do “Star Trek”. Além disso tudo, temos viagem no tempo, outras dimensões, missões de resgate, vingança, batalhas estelares e muitas, MUITAS, referências a “Hora da Aventura“, “Rick and Morty”, Marvel Comics, “Labirinto do Fauno“, “Jurassic Park“, “Toy Story” e, até mesmo, a “O Enigma da Pirâmide“.

Isso tudo apresentado em uma animação com design pueril, mas de violência chocante, com sangue, vísceras e desmembramentos em quase todo episódio. Os enquadramentos e ângulos das cenas de ação e a trilha sonora soberba – e que a série utiliza constantemente com competência – criam uma atmosfera envolvente e frenética, contrabalanceando os momentos mais calmos com diálogos e situações muito bem escritas. Final Space não se leva a sério se levando a sério, como se aspirasse algo cinematograficamente grande e conseguindo ser algo familiar, mas único.

“É bom pra caralho!”, Fields, Ryan.

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