Crítica: Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs)
Wes Anderson é um pintor cinematográfico. Suas tintas enfeitiçam qualquer um para dentro de um universo esfumaçado, onde as narrativas se misturam e se devoram em quadros movimentados. O requinte técnico de Anderson é inegável, assim como sua delicadeza, sua construção de personagem sutil e suas histórias que agremiam uma insustentável leveza de ser. O cinema do texano é uma overdose dos melhores requintes “truffautianos”, juntos a óbvias referências a tragicomédia escaldante de Buster Keaton.
Nesse sentido, Wes Anderson é previsivelmente soberbo. E parece cada vez mais enclausurado em suas primazias e fetiches. Ilha dos Cachorros é o ápice dessa inebriante fórmula enguiçada. Irresistível, mordaz, tocante e mais do mesmo. Justamente nesse paradoxo entre a força de sua assinatura e sua incapacidade de renovação que a película se eleva à condição de máxima expressão do “WesAndersionismo”. Está tudo lá. De Bill Murray até a trilha sonora de tons suavemente alternativos. A opção pelo Japão e por voltar ao stop motion ainda concedem ao realizador direito a mais pompa e circunstância. A narração regendo, os ardis estruturais, Anderson eleva tudo à máxima potência, entretanto, apesar de regurgitar beleza no telespectador, não chega a parte alguma.
O filme trata do exílio dos cachorros de um Japão futurista a uma ilha de lixo. Justificado por uma praga que acometeu a espécie canina e amparado pela população, o governo decide por sentenciar os melhores amigos do ser humano à morte na distância de qualquer estrada. Os cães abraçam seu trágico apocalipse, até um pequeno piloto chegar a tal ilha para desafiar os excessos de seu povo e, sobretudo, buscar seu canis lupus familiaris. Com ajuda de uma gangue de cachorros, ele começa uma odisseia de pequenos detalhes. Nos gestos, a narrativa se pavimenta com pinceladas calmas e orientais. Nesse sentido, o stop motion é uma opção não só acertada, mas também brilhante por ser capaz de despir os véus mais fundos e agradáveis da cultura nipônica. A técnica aqui empregada é visivelmente mais lapidada que a empregada no outro filme em stop motion do diretor, o ótimo “Fantástico Sr Raposo”.
O apocalipse canino oriental de Anderson evoca uma melancolia vivaz, com cenários despedaçados, lixo para todo lado e protagonistas heroicos e carismáticos. Chega a impressionar a capacidade de Anderson de encantar com um personagem com apenas um frame. Ele deixa o espectador dopado e faminto. Mas o banquete nunca vem. A história de Ilha de Cachorros é a de um filme de holocausto chato, pobre e clichê. Tire o malabarismo visual de Anderson, sua detalhista construção de personagem e não sobra nada.
Platão passou boa parte de sua existência perambulando em busca de uma articulação entre o bom e belo. Seria a síntese de sua ética. Para o grego, enquanto o belo se reduziria às aparências e ações, o bom é a alma por excelência. A harmonia entre ambos é a essência da boa vida. Assim como o pequeno piloto de sua derradeira obra deixou tudo para buscar seu melhor amigo, está mais no que da hora de Wes Anderson procurar por sua alma. Abandonar esse cômodo, covarde circo de espelhos e fumaça.
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