Crítica: Samantha! - 1a Temporada
Em 1988, aos 6 anos de idade, eu tinha em Sérgio Mallandro o grande modelo inspirador de vida a ser seguido. Isso foi bem antes de eu descobrir que ele tem uma música que fala claramente da frustração de não se ter alternativa que não a punheta (“Se quiser um Biluzinho / tenho que fazer sozinho”) e é emendada com outra na qual ele explica o processo de endolação de cocaína (Comprei um quilo de farinha / Pra fazer farofa) e fazer com que ela renda mais ao movimento.
Esta é a tônica real do que foi crescer nos anos 80. Os ídolos da criançada eram um palhaço trincado de brizola, mulheres de toda sorte sempre com pouca roupa e um sujeito que hoje ganha a vida fazendo espetáculos de stand-up no qual detalha a ocasião em que comeu uma capa aleatória da playboy.
Ao capturar este espírito, Samantha!, a 3ª série original nacional da Netflix (depois de 3% e O Mecanismo), acerta em cheio. A menina Samantha (Duda Gonçalves) é uma espécie de Simony do Balão Mágico. Integrante e apresentadora principal do grupo infantil Plim Ploms, ela tem seu próprio programa, é narcisista, cruel e ególatra, além de constantemente fazer merchandising de cigarros e cerveja em um programa voltado para as crianças. O grande mascote de seu programa, inclusive, é o Zé Cigarrinho (o grande, subestimado e subaproveitado Ary França), um maço de cigarros gente boa e que acompanha sua carreira pela vida toda.
Outro acerto é a série é ser passada 30 anos depois do estrelato, com Samantha (Emanuelle Araújo) já com seus 40 anos, totalmente caída no ostracismo e tendo que se sujeitar a ser empresariada pelo escrotíssimo e inescrupuoso Marcinho (o ótimo Daniel Furlan, o Renan do Choque de Cultura). Isto dá o pano para manga necessário para que se faça piada atrás de piada com sub-celebridades, com a busca pela fama a todo custo, com a cultura da celebridade instantânea da internet (vitaminado pelo Ego) e com a podridão de caráter que parece permear toda essa gente.
Mas é só. Samantha! é uma série com um roteiro inverossímil e confuso, com personagens que não fazem sentido e com um desenvolvimento que se concentra quase que exclusivamente na personagem de Samantha. Para se ter uma ideia disso, ela é casada com Dodói (Douglas Silva, o Dadinho de “Cidade de Deus” e Acerola de “Cidade dos Homens”), um ex-jogador de futebol do Flamengo (claro) que passou nada menos que 12 anos na cadeia, mas ainda é perseguido implacavelmente por fãs apaixonados por seu futebol.
Ora, como pode um sujeito que não pode ter mais de 40 anos na série (e isso é até um exagero, já que Douglas tem só 30) ter passado 12 anos preso e ter jogado tempo o suficiente antes para ter ainda o prestígio que ele parece ter? Isto (e mais absolutamente todos os eventos que envolvem Dodói) poderia ter sido explicado pelo roteiro, mas a impressão que se tem é só que a série queria ter a piada de que a sub-celebridade seria casada com um jogador de futebol que esteve preso, sem que houvesse qualquer preocupação em desenvolvê-lo. E isto acontece com todos os personagens que não Samantha, infelizmente.
A direção também descamba para o mesmo lado. Os atores, em especial os mirins, apresentam performances engessadas e artificiais demais, com diálogos que são, por vezes, entregues de forma até mesmo constrangedora, parecendo que a série foi meio que filmada à toque de caixa, um tanto às pressas, sem o esmero que uma produção deste porte deveria ter.
Uma tragédia quase que é completa só é salva (e muito bem salva) pelas hilariantes participações do já mencionado Furlan como o empresário de Samantha, de Paulo Tiefenthaler como uma espécie de paródia do Fabio Jr. em um reality show bizarro e, principalmente, da engraçadíssima Lorena Comparato como a digital influencer Laila, profissão esta da qual a série tira o sarro devido. E isto só ocorre porque claramente não houve aqui grandes esforços de controle de roteiro ou direção. A estes atores foi dada uma evidente liberdade para que brilhassem, coisa que poderia ter sido feita também com o restante do elenco.
No geral, Samantha! vive de brilharecos e momentos de real comédia entremeados com situações inverossímeis, personagens mal-desenvolvidos e atuações que constrangem, tudo dentro de um universo de gente mesquinha, escrota, arrogante e narcisista, sendo muito difícil que se invista na historinha batidíssima da filha da puta mudada que se redime pela força do amor.
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