Crítica: Sob a Pele do Lobo (Bajo la piel de lobo)
Sob a Pele do Lobo não é para todo mundo, é bom deixar isso claro desde já. Trata-se de um filme de quase duas horas, em que pouca coisa acontece e no qual seu protagonista (o excelente Mario Casas) atua muito mais com os olhos, corpo e respiração do que com falas. Os diálogos são tão raros que o roteirista e diretor, Samu Fuentes (em seu debut em ambas as frentes), sequer se deu ao trabalho de dar nome aos personagens. Mario Casas interpreta o protagonista e, não fosse a ficha do IMDB, eu sequer saberia seu nome.
A obra conta a história deste sujeito, último remanescente de uma espécie de propriedade/vila nas montanhas do extremo norte da Espanha em algum momento do início do século passado. E eu só sei dizer isso a você porque o sotaque do espanhol das poucas palavras trocadas é o da Espanha e a espingarda usada pelo homem parece ser uma Springfield, arma que começou a ser fabricada em 1903. O local exato e o momento em que as coisas acontecem não têm qualquer consequência, contudo. Não se trata de uma história com qualquer ramificação política, mas, sim, de uma narrativa focada numa questão semi-antropológica do homem enquanto animal e ser social.
Este homem vive sozinho nas montanhas, passando por invernos rigorosíssimos, e tendo contato muito eventual com outros seres humanos nas poucas vezes do ano quando desce o morro para vender as peles dos animais que conseguiu caçar. Eventualmente, e somente depois da morte de seu cachorro, ele resolve aceitar o conselho do dono do bar da cidade e arrumar uma esposa, levando-a a viver consigo naquele ambiente inóspito.
Tornado besta pelos muitos anos vividos em isolamento, agora o homem será desafiado pela interação humana e por todos os sentimentos conflitantes que isso instiga dentro de si, dicotomia esta que ficará ainda mais óbvia durante aquele inverno que se aproxima.
Para contar esta história, Samu Fuentes emprega o virtuosismo do basco Aitor Mantxola e sua cinematografia sóbria, ao mesmo tempo que elegante e sofisticada. Em um filme com poucos diálogos, a imagem deve contar uma história por si só e, sem dúvida, os planos de Mantxola, bem como seu uso inteligente da luz e das paisagens absolutamente selvagens e deslumbrantes, ajudam muito nisso, sendo um belo exemplo a imagem acima.
Entretanto, para um filme em que pouca coisa acontece, que é centrado praticamente em um só personagem e que se propõe minimalista e econômico em absolutamente tudo, há um erro grave no que se refere a duração da obra, o que acaba por prejudicar também seu ritmo. Suas quase duas horas poderiam confortavelmente ter sido cortadas em 20 a 30 minutos, ainda que isso significasse menos cenas do personagem de Casas comendo com as mãos, respirando alto para cacete ou copulando com sua esposa como um animal.
Tudo isto torna Sob a Pele do Lobo um filme difícil de ser apreciado e com um ritmo lento, mas que, em se conseguindo ir além de suas falhas, guarda uma poderosa história sobre a natureza humana e o contraste entre o selvagem e o civilizado, com um personagem que é a personificação disto, que sente sem ter qualquer sensibilidade e que pensa mesmo que usando apenas o instinto.
Uma gema, ainda que não dilapidada e em seu estado mais cru.
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