Crítica: Big Fish & Begonia (Dayu Haitang)
A begônia é uma planta de fácil cultivo, que produz flores belíssimas, tendo mais de mil variedades naturais e híbridas cruzadas pelo homem. Ela floresce praticamente o ano todo e, curiosamente, necessita de muita água, sendo uma das principais escolhas pra compor jardins amadores e profissionais. Seu significado varia dependendo da cultura, mas costuma ser associada à inocência e lealdade. Inspiradas por essa beleza natural e seu significado, Liang Xuan e Zhang Chun, criam uma obra belíssima apoiada no misticismo com fortes raízes na filosofia chinesa.
Antes de começar a assistir – e depois de você pegar um lenço – é importante que você saiba do peso que o taoismo possui na animação. A palavra chave aqui é harmonia, em especial com a natureza e os processos básicos da vida, como o ciclo de nascimento e morte, assim como com os ciclos do planeta e as estações do ano. Diversos personagens encarnam entidades importantes da mitologia chinesa e, mesmo que você não os conheça, perceberá a sua função nesse universo.
Em Big Fish & Begonia, você acompanhará a história de 3 personagens – Chun (que significa primavera), Qiu (outono) e Kun – permeada por seres fantásticos em relações como as nossas, de mãe e filha, de amizade e de autoridade. Em um ritual que envia para o mundo humano – que fica acima do céu deles e que é o nosso oceano – todos que completaram 16 anos na forma de um golfinho por 7 dias para observar as leis naturais da Terra (leis estas que coordenam), Chun (Guanlin Ji) acaba presa em uma rede de pesca. Ao tentar resgatá-la, Kun falece e o peso na consciência de Chun a leva a alterar a ordem natural do ciclo da vida ao resgatar a sua alma a um preço muito alto. Já de volta ao seu mundo, Kun (Timmy Xu) agora é um frágil filhote de “golfinho” (vermelho e com chifre) que necessita de proteção e cuidado até conseguir regressar ao mundo dos humanos.
Todo o longa se vale da instabilidade no mundo mágico que a existência de Kun cria, ao mesmo tempo que a sua própria criação é um ato de amor e abnegação. Qiu (Shangqing Su), que foi o personagem mais interessante de acompanhar, incorpora esse conflito na sua relação com Chun, por quem ele guarda grande carinho, sempre a protegendo a grandes custos, por mais que saiba que as atitudes dela são muito danosas para ele e todos a sua volta.
Os diálogos dos mais velhos transborda sabedoria e nos remete à questões filosóficas que, infelizmente, não se aprofundam muito além da alegoria da ordem natural do ciclo da vida. Inclusive esses tantos outros personagens, com designs muito bem trabalhados e que, quando falam, contribuem positivamente para a obra, deixam a desejar em seu desenvolvimento, que poderia ter enriquecido consideravelmente a história. São poucas as cenas de Chun com seu avô, por exemplo, mas elas determinam aprendizagens importantes na conduta de sua neta.
Compensando por esse pequeno problema, tecnicamente a animação é um primor. Lembrando muito “A Viagem de Chihiro” (que figura em nosso Top 10 Animações), com seres amorfos, humanoides, animalescos e espirituais convivendo com seres que muito lembram um humano em um ambiente riquíssimo em detalhes e com enorme fluidez na animação. A coloração vermelha dominando a fotografia está relacionada com o seu significado para os chineses, que remete à fortuna e alegria. Conforme o longa avança, é perceptível a mudança na paleta, começando a puxar para cores mais frias e escuras, criando um contraste para retratar as mazelas de seu terço final.
Big Fish & Begonia é uma agradável surpresa chinesa no catálogo da NETFLIX. Ela explora o poder das nossas emoções e as consequências dos nossos atos, independente da intenção que tenha nos motivado a realizá-los. É quase impossível não se emocionar e se sentir angustiado por todo o caminho. Caso você goste de uma história de sacrifício, amizade e amor, não pense duas vezes antes dar play.
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