Crítica: Escobar: A Traição (Loving Pablo)
Talvez um dos maiores sinais dos tempos opacos em que vivemos seja a destruição das utopias. Não por acaso, alguns teóricos sugerem caracterizar a contemporaneidade como uma enorme pós-utopia. Isso talvez explique a profusão de filmes sobre anti-heróis, criminosos e outras criaturas não-idealizadas. Abandonados pelos sonhos dourados, nossos olhos se voltam para as margens.
E a bola da vez no panteão dos párias pós-modernos parece ser o ultramegaarquibigbosspatron do tráfico de drogas, o colombiano Pablo Escobar. Tema de vários documentários, telefilmes e da badalada série “Narcos“, da Netflix, ele agora toma o cinema com Escobar: A Traição, tendo como headliners os oscarizados espanhóis e casadinhos Javier Bardem e Penélope Cruz.
O drama de Fernando León de Aranoa se baseia nas memórias de Virginia Vallejo (Cruz), apresentadora de TV que conheceu (biblicamente, inclusive) o chefão do crime e teve toda sua vida alterada por esse relacionamento. Assim, a ascensão e queda de Escobar (Bardem) são mostradas através dessa relação.
Embora focalizado a partir das lembranças de Vallejo, a grande presença na tela é, sem dúvida, Pablo Escobar. Potencializado pela sempre competente atuação de Javier Bardem (aqui não tocando seus maiores momentos, como “Mar Adentro” ou “Onde os Facos Não Têm Vez”, mas, como sempre, competentíssimo), o filme faz uma interessante construção da figura, multifacetada em anti-herói, gênio do crime, bandido sedutor, pai de família e, paradoxal e risivelmente, “homem de princípios”. Já o trabalho de Penélope Cruz fica marcado por um desequilíbrio pesado, oscilando entre momentos de brilho e outros que serão lembrados como puro constrangimento.
Aliás, um desequilíbrio que conta muito negativamente para a produção é o canhestro trabalho de caracterização na segunda metade do longa. Enquanto a primeira parte da história exibe uma maquiagem bastante competente, a segunda é desastrosa. As perucas com as quais castigaram Penélope Cruz me deixaram uma semana assombrado pelas lembranças de um dos maiores momentos da publicidade nacional nos anos 80, o clássico comercial das Perucas Lady, tá? (para os que não tiveram a felicidade de ver esse momento, espremido pelo programa da Xuxa e o Globo Esporte, aí vai o serviço de utilidade pública que é esse link: https://www.youtube.com/watch?v=XBCN2Af_nEU).
Embora apresente uma profunda análise sobre a questão do tráfico de drogas, tocando em suas ramificações sociais, políticas e culturais, o filme também escorrega em um excesso de didatismo, patente no uso demasiado da narração em off e dos momentos “hoje no Globo Repórter” criados pelo roteiro. Esta estratégia acaba, infelizmente, revelando o calcanhar-de-aquiles deste Escobar: A Traição: ele não soa único, não consegue deixar claro o que só o Cinema poderia fazer, não inova, enquanto veículo, o que a TV e o streaming já fizeram com o retratado. Por outro lado, há que se destacar a impecável reconstrução de época e a muito bem construída trilha sonora. A cena na qual um avião carregado de cocaína desembarca no meio de uma highway americana parando o trânsito ao som de Frank Sinatra em Let It Snow é simplesmente antológica.
No fim, Escobar: A Traição é, entre erros e acertos, mais um olhar sobre as muitas camadas do Patrón e mais uma evidência de que os bad boys ainda vão render muita bilheteria por aí. Afinal, por que escolher se juntos eles nos fornecem plata y plomo?
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