Garimpo Netflix: A Certain Romance
O Garimpo é um quadro do MetaFictions no qual indicamos toda semana bons títulos disponíveis nas maiores plataformas de streaming. Clique aqui para conferir os anteriores.
Uma das tags que mais uso quando escrevo sobre os filmes é “relações pessoais”. Talvez porque, em quase todas as histórias que me são contadas, eu noto esse tema com um olhar um tanto mais refinado, ainda que não seja o foco principal da narrativa apresentada. As relações pessoais são sempre inerentes à condição de sociedade e a forma como elas se desenvolvem explicam a situação na qual nos encontramos.
Mas existem vários tipos de relações pessoais, sendo a mais íntima e perigosa aquela em que duas pessoas decidem dividir os momentos mais importantes de suas vidas, desnudando suas fraquezas e revelando sua essência, sem máscaras, maquiagens ou atuações. Quando chegam à conclusão de que amam um ao outro e querem partilhar os piores e os melhores instantes de cada qual.
Mas, assim como todo amor é construído, sua desconstrução pode vir à tona. Às vezes por um detalhe sequer, outras por uma caminhada por lugares obscuros, quando aqueles que deveriam enriquecer um ao outro passam a se anular brutal e violentamente. O Garimpo Netflix dessa semana traz três filmes, vindos da Espanha, dos Estados Unidos e de Israel, sobre esta relação conjugal e os sentimentos que dela transbordam: amor, ódio, posse, ciúmes e tentação.
– Amar, de 2017, dirigido por Esteban Crespo
Dois adolescentes que se amam loucamente, com sentimentos à flor da pele e desejos que não cabem em suas mentes e corpos. Explorar os sentidos é um convite à Laura (em bela atuação de María Pedraza) e Carlos (muito bem por Pol Monen), esse casal que, em pouco tempo de relacionamento, se vê eternamente juntos. A relação de ambos é tão simbiótica que eles negligenciam afazeres importantes do dia-a-dia para desfrutarem da companhia um do outro. Faculdade e escola se apresentam tão menos importantes do que transar próximo à casa de máquina do elevador do prédio, pela falta de espaço e dinheiro comum aos jovens.
Mas a imaturidade se revela um problema para a continuação dessa relação, visto que ciúme e sentimentos de posse começam a se fazer mais presentes do que o amor puro de outrora. Mágoas, ressentimentos e auto-flagelação vão minando aquela que parecia ser uma união inabalável, levando ambos a percorrerem caminhos opostos, afastando-os um do outro.
Na conclusão de tudo, será que apenas o amor é o bastante?
– Newness (Newness), de 2017, dirigido por Drake Doremus
Sabe aquela arma poderosa de quase te levar para a cama com alguém imediatamente chamada Tinder? Pois bem, Martin (em grande trabalho de Nicholas Hoult) e Gabi (em atuação firme de Laia Costa) são dois assíduos usuários da ferramenta, entregando-se constantemente aos prazeres da carne. Não demora para que, em uma desses MATCH, eles se encontrem e comecem uma sequência de sexo louco. Deu liga na relação dos dois e parece que um satisfaz o outro. No entanto, uma fala de Gabi, logo no início da relação, já carimbara seu tipo, algo como: “geralmente, mudo muito de trabalho porque as coisas ficam monótonas e logo eu quero começar algo diferente”.
A paixão do casal vai aumentando, virando amor, quando decidem morar juntos. Mas Gabi não é aquele tipo que fica na mesmice e Martin guarda dentro de si um profundo caso não resolvido com sua ex-mulher. Isso leva ao esfriamento da relação, quando, tentando resgatar, Gabi decide que eles tem que ser transparentes ao máximo um com outro, sugerindo um relacionamento aberto. Essa nova jornada de amor, assumindo as “escapadas” como algo natural, vai resultando em feridas, mágoas e um novo e claro entendimento do sentimento que eles nutrem entre si.
“Amar é quando duas pessoas não desistem uma da outra”, conclui um amigo de Martin ao perdido protagonista.
– Homem na Parede (The Man in the Wall), de 2015, dirigido por Evgeny Ruman
Shir (em grande atuação de Tamar Alkan) foi dormir, em seu apartamento, quando seu marido Rami (muito bem por Gilad Kahana) havia saído com o cachorro para passear. Algum tempo depois, apenas o cão voltara e Rami parecia desaparecido. Sem qualquer pista de seu paradeiro, Shir tenta amigos próximos, pessoas no contato de celular do marido deixado em casa, chegando a chamar até a polícia. A ansiedade dela vai aumentando à medida em que nada leva a qualquer resposta.
Toda a narrativa é passada dentro do apartamento do casal e cada um que entra e sai (oficiais, colegas, melhor amigo, sogro e outros) é responsável por nos trazer mais um elemento acerca da figura de Rami. Vamos, portanto, aos poucos, construindo a personalidade desse homem ausente, bem como sabendo, sempre mais, qual era o tipo de relação que se estruturava naquele lar, entre ele e Shir. Dessa forma, feridas vão se abrindo, Shir vai reavaliando seu matrimônio, ao passo que os personagens vão sendo tragados para lugares mais obscuros por seus sentimentos.
Nem todos abandonam suas máscaras, revelam sua essência ou param de atuar, ainda que escolham dividir suas vidas com outrem.
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