Garimpo Netflix: Terror!
O Garimpo é um quadro do MetaFictions no qual indicamos toda semana bons títulos disponíveis nas maiores plataformas de streaming. Clique aqui para conferir os anteriores.
É com muito gosto que vivemos uma época de ressurgimento do terror/horror como algo que consegue ir muito além dos clichês sanguinolentos e apelativos consagrados do gênero. Desde “Os Outros”, passando por coisas mais recentes que desafiam até mesmo a classificação enquanto terror como “Babadook” (presente em nosso Top 10 – Filmes de Terror) ou a coqueluche do MetaFictions, “Ao Cair da Noite” (resenhado aqui, indicado em nosso Garimpo Netflix: Especial Halloween! e constante de nosso Garimpo Especial de Filmes que Passaram Despercebidos em 2017), e o ainda mais recente “Hereditário“.
Essa quase renascença do gênero, com cineastas que não se mostram satisfeitos somente em seguir modelos e lugares comuns – muito embora ainda exista uma infinidade de títulos que apostam nisso -, dá um muito necessário frescor ao cinema de terror, fazendo muito mais do que somente assustar, mas chegando aos extremos de genuinamente perturbar os espectadores. Hoje apresentamos 4 filmes, de estilos bem diferentes entre si, sendo o último deles um bônus por motivos que ficarão evidentes quando vocês chegarem lá. Aproveitem!
– A Bruxa (The VVitch: A New-England Folktale), de 2015, dirigido por Robert Eggers
A Bruxa é sem dúvida um dos melhores filmes recentes do gênero e um daqueles que o desafiam. Sem apelar para os famigerados e onipresentes jump scares, o longa de estreia de Robert Eggers (que também assina o roteiro) perturba e fica com o espectador para muito além de sua hora e meia de exibição. Passado em algum lugar remoto dos EUA por volta de 1630, o filme conta com uma reconstituição de época realmente invejável, com os atores tendo sido obrigados não só a trabalhar o campo com as ferramentas disponíveis na época, mas também a falar no inglês antigo que aquele seu diploma safado da Cultura Inglesa não permitirá entender.
Nele acompanhamos a história de uma família de 6 que é banida da colônia onde moram por causa de seu fundamentalismo religioso. Mudando-se para um território ainda não reclamado, a família, em uma história que serve como analogia para a própria condição humana (em especial a da mulher), é acometida por uma sequência de tragédias que levam alguns de seus membros a crer que há uma bruxa entre eles. Não é um filme fácil, mas recompensa cada segundo a ele dedicado com uma história envolvente, uma produção primorosa e atuações verdadeiramente excelentes de todo o elenco, com destaque para a macabra voz de Ralph Ineson como o pai religioso e fulminado pela culpa, para a então menina Anya Taylor-Joy como a filha acusada de bruxaria e para Black Phillipe, o bode preto mais encagaçante do Cinema.
– Verónica, de 2017, dirigido por Paco Plaza
https://youtu.be/GlalMcEiwZQ
Desde que começou a produzir filmes como o já citado “Os Outros”, “O Orfanato” e “REC” (também dirigido por Plaza), a Espanha se tornou um celeiro reconhecido e consumido mundialmente de excelentes filmes de terror, começando o movimento que vem provocando a tal renascença do gênero da qual falei no começo. É nesta mesma esteira que vem Verónica, filme que dramatiza aquela que é a ÚNICA ocasião em toda a história da polícia espanhola em que há um relatório oficial com registros de fenômenos paranormais. Ou seja, temos aqui algo fundamentalmente inacreditável: um filme de terror sobrenatural baseado em fatos reais e registrados, o que, por si só, anula qualquer aspecto negativo de todos os clichês do gênero (tábua ouija, adolescentes tomando decisões merda, crianças fofinhas/medonhas…).
Nele, Verónica é uma adolescente de 15 anos que precisa fazer as vias também de mãe de seus 3 irmãos mais novos, já que a mãe de verdade está muito ocupada trabalhando e seu pai é falecido. É por causa dessa ausência e dessa saudade da figura paterna que ela cai na besteira de tentar contatar o defunto por meio de uma tábua ouija, fazendo com que toda a história se degringole a partir daí. Paco Plaza faz um trabalho extremamente competente de construir toda a tensão para deixar o espectador o tempo todo com o cu na mão e uma certa dificuldade de dormir após a exibição.
– Horror em Amityville (The Amityville Horror), de 2005, dirigido por Andrew Douglas
No final da década de 70, a família DeFeo foi chacinada impiedosamente por um de seus membros em seu endereço na cidade americana de Amityville. A defesa do assassino, Butch, sustentava que o rapaz fora possuído e ouvira vozes que o mandaram matar toda a sua família. Um ano depois, a família Lutz, aproveitando a pechincha daquele casarão no qual ninguém queria morar por ter sido palco de um massacre, se muda para o mesmo endereço, fugindo desesperadamente de lá em menos de um mês por causa de toda a sorte de clichê que se possa imaginar para uma casa mal-assombrada.
Esta história real deu origem ao clássico de 1979 “Horror em Amityville”, a um sem número de continuações e spin offs, e a este remake de 2005 estrelado por um então quase desconhecido Ryan Reynolds e uma infante Chloë Grace Moretz que, em minha humilde opinião, supera o original. Nele acompanhamos justamente estes 28 dias dos Lutz na casa de Amityville, em um filme clássico de casa mal-assombrada que é uma espécie de prenúncio ao que James Wan viria a alcançar com seu estupendo “A Invocação do Mal” (também em nosso Top 10 – Filmes de Terror).
Não se enganem, contudo. Nos anos 2000 a família Lutz, já suficientemente rica com toda a história, revelou que era tudo mentira e que foi uma história que inventaram para ganhar dinheiro mesmo, com o tal assassino, Butch, também confessando que, na verdade, ele matou os pais junto com a irmã porque estes seriam abusivos, matando depois os dois irmãos para não deixarem qualquer testemunha e tendo Butch matado sua irmã assassina depois de tudo feito porque, afinal, porque não, né?
– A Bela Criatura que Mora Nesta Casa Sou Eu (I Am the Pretty Thing That Lives in the House), de 2016, dirigido por Oz Perkins
Queria antes de tudo pedir uma licença a vocês para indicar este filme. Não porque este é um filme ruim e eu estou aqui de sacanagem indicando, mas porque se trata de uma obra de difícil digestão, na qual pouca coisa acontece e que está muito longe de ser um filme de terror tradicional, muito embora compartilhe com estes vários elementos, em especial o sobrenatural da casa mal-assombrada.
A Bela Criatura que Mora Nesta Casa Sou Eu (que também tem um título alternativo chamado “O Último Capítulo”) é muito mais um exercício do diretor em narrativa e fotografia inspirada nos elementos clássicos do gênero do terror do que propriamente uma obra de terror. Contando com uma fotografia virtuosa de Julie Perkins, complementada magistralmente pela trilha incidental de Elvis Perkins, temos aqui a história de Lily (Ruth Wilson) uma enfermeira que passa a morar na casa do título para cuidar da idosa Iris Blum (Paula Prentiss), uma autora de livros de suspense/terror de renome internacional que inspira cuidados por causa de sua idade avançada. O elenco somente com mais uma pessoa, o veterano e subestimado Bob Balaban como o advogado do espólio de Iris.
Ruth Wilson entrega lindamente cada uma de suas meticulosamente calculadas falas, com destaque para as belíssimas frases construídas quando ela está narrando a história, todas entremeadas com imagens, ângulos e jogos de câmera que complementam o exercício de inspiração estética deslumbrante que é esta obra. Não é para qualquer, tanto que sua nota no IMDB é horrível, mas, para aqueles que souberem apreciá-la, é um prato cheio.
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