Crítica: 10 Segundos para Vencer

Há uma estirpe de homens e mulheres que encontra um lugar de destaque muito grande dentro do meu coração: os pioneiros e pioneiras que, contra tudo e todos, encontraram uma recompensa para si e para toda a sua comunidade por toda a sua obstinada perseverança em uma ideia, ideal ou objetivo. Assim é que, dentro do esporte brasileiro, não há nada que remotamente chegue perto ao que conseguiu o nosso Galo de Ouro, o consagradíssimo Éder Jofre. Sua história é conhecida de qualquer sujeito minimamente interessado em esporte neste país e é caríssima a todos aqueles que já tenham em algum momento calçado luvas de boxe ou até mesmo praticado alguma outra arte marcial. Jofre foi bicampeão mundial de boxe, em duas categorias diferentes, defendeu ambos os cinturões inúmeras vezes e é considerado até hoje um dos maiores pugilistas de todos os tempos e de todas as categorias, sendo o único brasileiro introduzido ao Hall da Fama do Boxe, e isto tudo numa época que o esporte brasileiro era conhecido apenas pelo futebol e não havia qualquer incentivo ao boxe.

O que o mundo fora do boxe não conhecia era o artífice de tudo isto, o antológico argentino Kid Jofre, pai de Éder, treinador de boxe lendário e também ele ex-pugilista. O pioneirismo do qual falei lá no começo não é apenas de Éder, apesar de ele ter sido o instrumento e evidente materializador do sonho dos dois, mas também Kid, a pessoa que apostou tudo na sua obstinação e que, com muita dureza, demonstrava seu amor incondicional ao seu filho a cada soco que este levava.

Éder, Pelé e Kid. Cada um com sua majestade.

10 Segundos para Vencer, muito mais do que uma cinebiografia deste que é o maior boxer brasileiro de todos os tempos, é um filme sobre superação, perseverança e, em especial, sobre o amor e admiração de um filho ao seu pai, devolvido, ainda que por meios heterodoxos, pelo pai ao filho. E é exatamente aqui, na relação entre Éder e Kid e nas interpretações de Daniel Oliveira e, principalmente, do monstro que é Osmar Prado (também merece destaque Ricardo Gelli como o tio putanheiro de Éder) que o longa se arvora e consegue seus melhores momentos.

Ainda que uma cintura um tanto dura e um jogo de perna mais ou menos de Daniel Oliveira, pelo menos para um peso galo, deem uma incomodada de leve em iniciados na Nobre Arte – e lembrando que Daniel é mais alto e pesado do que os 1,65cm e 53kg originas do Galo-, as cenas de luta foram pensadas de forma a emular os combates da categoria, com edição rápida, ângulos improváveis e ágeis, o que foi um acerto inegável da direção e edição. Tudo isto se apoia ainda em imagens de arquivo que demonstram o quão verdadeiramente fora de série Éder era dentro de um ringue.

O ponto alto, inegavelmente, está na relação entre os dois, que é muito bem construída por um roteiro arrumadinho em sua maior parte, mas que força algumas situações no que se refere à relação de Éder com sua esposa, que fica aqui parecendo só uma mulher de uma dimensão chata para um caralho que tem alguma espécie de ressentimento do sucesso do marido, sucesso este que a tirou da pobreza e dá a ela todo o conforto com o qual ela jamais sonhou. Aquela coisa bem clichê de biografias do tipo e que aqui parece que não poderia ter ficado de fora.

Estes interlúdios que mostram a relação de Éder com a esposa ajudam bastante também para prejudicar o ritmo do filme, que se alonga demais ao contar a infância de Éder (ainda que nos brinde com a cota de nudez gratuita própria do cinema nacional) e no desenvolvimento desta relação matrimonial, deixando a impressão de que esta questão foi inserida ali por alguma obrigatoriedade qualquer. Há até mesmo um diálogo lamentável em que ela, uma mulher na década de 60, reclama do sucesso do marido, comparando os sacrifícios quase fatais que ele faz com o seu trabalho com a vida dela de dona de casa de classe média alta, algo que me parece um tanto impensável para a época sem que a coisa descambasse para a Maria da Penha.

Além do problema de ritmo, a trilha sonora é também um tanto equivocada, mantendo-se em um mesmo tom mesmo em cenas que alternam agressividade e ternura, o que causou algum estranhamento. Contudo, nada foi tão inacreditavelmente bizarro de se ver quanto pessoas pretensamente americanas falando um inglês pior que o da Tatá Werneck naquela propaganda de curso de inglês, sendo claramente interpretados por não nativos e que nem inglês sabiam falar antes de terem sido contratados para este filme.

Estas e outras decisões equivocadas da direção, entretanto, passam longe de tornar o filme inassistível. Felizmente, a força da história de amor verdadeiro e incondicional entre pai e filho carrega com tranquilidade o longas, tornando-o uma das boas produções nacionais do ano e fazendo com que qualquer um que tenha um pai amoroso, ainda que sisudo e duríssimo como Kid, se debulhe em lágrimas em uma das cenas finais do longa. Confesso que elas me voltaram aos olhos agora enquanto escrevo isto, então vou aproveitar para dizer que o filme teve um impacto grande sobre mim porque o amor que eu sinto por meu pai, mesmo que ele tenha raspado seu glorioso e legendário bigode há anos, é também incondicional e deveria ser mais vezes gritado aos quatro ventos. Te amo, pai! E deixa essa porra desse bigode crescer de novo!

Temos aqui um filme que fala sobre a força do amor entre um pai e um filho, entremeada com cenas de lutas bem filmadas e imagens de arquivo seminais. É um prato cheio para fãs de boxe e um filme recomendável para quem somente quer ver uma grande história, de um grande brasileiro, que supera grandes limitações e, junto com seu pai, desbrava o caminho para tantos outros pugilistas que o seguiriam depois.

E, por falar em pioneirismo no boxe, quero mandar aqui também um salve para o meu mestrão e campeão de beach boxing, Raphael “Doutor” Viga, um dos primeiros a praticar e divulgar modalidade do boxe na praia no mundo e um sujeito que tenho o privilégio de chamar de mestre, amigo e irmão. Salve, Viga Boxe!

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