Crítica: City of Joy - Onde Vive a Esperança (City of Joy)
Ser negro ou mulher em nossa sociedade é uma tarefa árdua, independente do país e condição social na qual você se encontre. Claro que quanto maior o nível de desenvolvimento de uma nação e da sua renda, “menos piores” são as situações que se impõem no cotidiano desses grupos. Agora imagine ser uma mulher negra, vivendo abaixo da linha da miséria, em um país pobre e palco de conflitos militares. Poucas situações – se é que possa existir alguma – são mais assustadoras do que esta.
Situado na República Democrática do Congo (RDC) e compreendido dentro do cenário acima, o documentário City of Joy – Onde Vive a Esperança, retrata uma realidade chocante de duas décadas e que ainda se desenrola enquanto você lê esse texto. Quando pergunto sobre a RDC, costumeiramente recebo as mesmas respostas: “fica na África” (mas não conseguem apontar em um mapa), “tem gorilas”, “tem floresta” e “é o lar do Tarzan”. São raras as vezes que escuto algo de fato preciso ou relevante para explicar o contexto dessa nação, como: fica na África Central, ou foi colonizada cruelmente pelos belgas ou passou por guerras civis.
É importante ter em mente que a maior parte das mazelas que acometem o Congo possui origens na colonização da África pelas potências industriais europeias no século XIX. Foi uma ocupação violenta, desumana, duradoura, com uma divisão territorial feita à régua em um escritório na Europa sem levar em consideração as divisões internas do continente e que visava única e exclusivamente ganhos econômicos, mesmo que tenham travestido essa violação como uma missão civilizatória, o que por si só apresenta uma visão comprometida e preconceituosa do mundo.
Como resultado da independência das nações ocupadas, a disputa interna entre grupos e etnias rivais para ocupar o vácuo no poder criou uma situação de extrema vulnerabilidade para as mulheres. Esse é o foco do documentário, mostrar como a violência de gênero surge dentro desse contexto e afeta a sociedade congolesa, abordando como a instituição que dá nome à obra tenta mudar esse cenário.
Na cidade de Bukavu, perto da fronteira com Ruanda, onde está situado o centro, ocorre um fenômeno comum em zonas de conflito: o êxodo rural. Mas diferente do que aconteceu no Brasil, quando as grandes cidades do sudeste atraíam as massas em busca de empregos, em Bukavu essas massas fogem do rural pela violência imposta por grupos de milícias que protegem depósitos minerais, fonte de renda importante para o país e vitais para grandes empresas multinacionais.
Para diminuir a resistência dessas comunidades rurais, as milícias usam o estupro como arma de guerra, brutalizando os corpos e a psique das mulheres da região. Tentando aplacar esse sofrimento e com o slogan “transformar dor em força”, acompanhamos a história da criação da City of Joy, com entrevistas dos fundadores e funcionários, assim como das sobreviventes. Não é um documentário fácil de assistir, com cenas brutais e relatos que te fazem sentir vergonha de pertencer a mesma espécie dos agressores e de fazer parte do sistema econômico que move essa cruel prática.
Com uma atmosfera pesada embalada por uma trilha sonora densa, temos um retrato da uma parte do mundo que a comunidade internacional acha que não fica na Terra e da luta de uma instituição para tentar mudar essa realidade, transformando as sobreviventes em líderes. City of Joy – Onde Vive a Esperança honra as pessoas que perderam tudo e enaltece outras que abandonaram tudo para se dedicar a uma causa.
Visite o website: City of Joy
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