Crítica: Crô em Família

Acredito que um dia, nos cantos mais recônditos do PROJAC, o consagradíssimo autor de novelas Aguinaldo Silva conversava com a também consagradíssima diretora de novelas Cininha de Paula. Os dois confabulavam sobre alguma desgraça em forma de televisão qualquer quando então chegaram ao assunto Arlete Salles e Tonico Pereira, dois dos mais reconhecidos, talentosos e lendários artistas da TV brasileira. Finalmente, os dois bateram o martelo: “Vamos fazer um filme tão ruim, mas tão ruim, que nem estes dois monstros sagrados vão se salvar!” Depois de algo em torno de dez minutos de risada do Mun-Rá dos Thundercats, com direito à gosminha entre as arcadas, eles combinaram que Aguinaldo escreveria e Cininha dirigiria este Crô em Família.

Para além disso, Aguinaldo, homossexual assumido e histórico, resolveu também que, em pleno 2018, época da inclusão social e da guerra contra os estereótipos LGBTQ, escreveria um filme em que, à exceção do infame boy magia de quem Crô se separou, faz questão de que todos os personagens homossexuais (e não são poucos) se enquadrem nos mais ofensivos clichês que se pode imaginar. Sabe aquela bichinha afetada, afeminada ao extremo e espalhafatosa como um pavão que era a quintessência de todo e qualquer personagem gay da teledramaturgia tupiniquim até muito pouco tempo? Pois então, estão todas de volta às telas neste filme.

A isso ainda soma-se o detalhe de que há machismo até mesmo em um filme assumidamente gay, já que nenhuma personagem feminina tem destaque e tampouco há qualquer lésbica em toda a trama, com esta focando exclusivamente mesmo em fazer piadas sem graça, repetitivas e batidas de gay, misturada dentro de um roteiro sem pé nem cabeça, em diálogos paupérrimos e atuações abaixo da crítica até mesmo dos já citados monstros Arlete Salles e Tonico Pereira.

Baseado no personagem Crô, criado por Aguinaldo Silva para a novela “Fina Estampa” e imortalizado por Marcelo Serrado, Crô em Família é a continuação do também lamentável “Crô: O Filme”. Este, na esteira de um personagem vazio, porém muito popular e em uma novela de muito sucesso, custou pouco mais de 3 milhões e levou aos cinemas a metade disso em gente. Faça, então, a conta com o valor do ingresso e você perceberá que o lucro foi excepcional, o que garantiu a feitura de um novo filme e, se o papo das autoproclamadas bichas ao final do filme for levado a sério, não parará por aí.

No longa, Crô acabou de se separar de seu macho e está na fossa, fossa esta que é evidenciada por vários faniquitos e pitis estereotipadíssimos de viado, como ele mesmo se chama o tempo todo. Agora Crô é uma espécie de celebridade, sabe-se lá o porquê, e tem uma escola de etiqueta, muito embora ele fique repetindo uma porrada de frases em um francês deplorável e um inglês horrível, sempre demonstrando sua afetação em, sem sacanagem nenhuma, TODOS os segundos da exibição. Do nada, sua família perdida aparece e ele então, também sabe-se lá porque, os recebe, ainda que sob os protestos de seus amigos, todos também gays, já que, pelo que se infere da película, um homem gay não pode se relacionar com nenhum homem heterossexual sem que seja na qualidade de predador sexual.

A partir daqui temos uma sucessão de clichês absurdos e personagens constrangedores dentre as quais só se salva a excelente menina Mel Maia, a única personagem minimamente crível dentre todos os apresentados. Aliado a isso, a escalação do elenco aqui também apresentou vários equívocos, como ao colocar o paulistanaço João Baldasserini forçando um sotaque horrível de carioca suburbano e Arlete Salles, com seu rosto repuxado e sorriso milionário, interpretando uma trambiqueira fodida da baixada fluminense.

E isto tudo em um filme arrastado, com uma edição sem qualquer sentido, que conta com piadas que não são engraçadas e situações estapafúrdias que não só não fazem sentido como fracassam miseravelmente em fazer rir. Há aqui, inclusive, uma tentativa oportunista ao extremo de se tentar capitalizar em cima da fama do fenômeno do Instagram, Jefferson Schroeder (ou seja lá caralhos como se escreve essa porra), ao repetir gratuitamente, quase que tintim por tintim, um dos esquetes que fez sua fama nas redes sociais (e na propaganda do IFood, que é de onde eu o conhecia). Oportunista também é a descarada prática do product placement aqui, com Rei do Mate aparecendo em todo canto, assim como as cuecas Lupo – e eu acabo de me ligar que eu não recebi nem um puto sequer para falar deles, muito embora adore um e use as cuecas do outro.

Em um filme que faz mais pela homofobia e pela estereotipação do homem gay do que o Bolsonaro jamais teria sido capaz, eu aprendi que, se eu quiser ser gay, basta repetir que estou “fazendo a” sei lá o que, insistir em bordões ridículos como “pedi pra parar, parou” e andar por aí me pavoneando com penteados espalhafatosos e outfits de marca enquanto bebo prosecco e falo de boys magia.

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