Crítica: Felicidade por um Fio (Nappily Ever After)

“I like my baby hair with baby hair and afros”. Iniciando a crítica com um trecho de Senhora Beyoncé, dou o tom ao que será uma análise de uma despretensiosa comédia romântica que pincela questões do corpo negro, sem deixar a essência leve e descontraída. Minha visão vai até onde a interseccionalidade me permite, por partilhar da vivência de ser mulher; por ser branca, tal olhar é continuado a partir da convivência com amigas negras com blacks lindíssimos e toda a história que os envolve.

Violet (Sanaa Lathan) é bem-sucedida e aparentemente tem uma vida perfeita: trabalho dos sonhos, namorado gostoso e uma casa linda. Dispenso dizer que isso é apenas um olhar raso sobre a vida da mulher por não incluir, por exemplo, a enorme pressão vinda da mãe no que tange sua aparência e, pelas beiradas, vinda também de Clint (Ricky Whittle), com quem tem um relacionamento há dois anos. A pseudo-estabilidade de Violet é abalada a partir de uma infeliz festa de aniversário, onde ela se dá conta que o cara com quem está não quer nada-com-porra-nenhuma com ela e, portanto, o tão sonhado casamento vai por água abaixo.

Violet toda montada.

Até aí nada novo sob o sol, certo? Pois bem. O acerto do filme é colocar a justificativa da mudança da mulher não na simples frustração em não viver “feliz para sempre” com o cara, mas em uma maior reflexão sobre os valores que ela tinha como seus. A exaltação da beleza, iniciada dentro de casa pela mãe e refletida até mesmo em seu trabalho como publicitária de cosméticos, começou a ser algo que a incomodava.

Violet, que antes reproduzia piamente tudo que sua mãe lhe ensinara – “cabelo crespo é ruim!”, “esteja impecável sempre!” – começa a questionar o porquê de ter que ser assim. Resolve, então, raspar o cabelo, depois de uma rotina em que acordava às 5 da manhã para penteá-lo e passar prancha para uma aparência “imaculada”. A partir daí é iniciada uma jornada bem interessante de autodescoberta, empoderamento sobre o próprio corpo e, especialmente, de ressignificação da beleza.

Dentro dessa situação pude me identificar pois quando cortei o cabelo – e, vale ressaltar que sim, meu cabelo é liso, loiro e blá-blá-blá – alguns olhares e críticas foram direcionadas à decisão. Quando raspei parcialmente, ainda mais. Essa idealização do cabelo feminino, assim como tantas outras corporais, são intragáveis – e a coisa se agrava ainda mais quando se trata do crespo e da mulher careca. Portanto, seria insensível e ignorante não reconhecer a importância destes detalhes da aparência dentro da libertação feminina. Afinal, enquanto uma mulher careca for vista como feia, aberração ou lésbica (e aí ainda numa estereotipação patética), tal detalhe continuará relevante e motivo de debate.

Por fim, acompanhamos essa jornada que faz Violet desabrochar profissional e pessoalmente. Seu caminho cruza com um novo par, esbarra em velhos laços e desembaça cada vez mais sua verdadeira essência, tão camuflada antes pelos condicionamentos impostos. O filme é sobre empoderamento e aborda isso de forma acessível, sem grandes desdobramentos e utilizando recursos presentes em outros filmes meio bobões de comédia-romântica – e tudo bem. Acabei de assisti-lo com um sorrisinho de satisfação diante de uma história gracinha e bem desenvolvida e com uma tremenda vontade de raspar a cabeça também. Quem sabe…?

Ahhh, essa sensação de pluma quando raspa-se o cabelo…

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