Crítica: Maniac - Minissérie

A expectativa é a mãe de todas as decepções. Essa é uma verdade que me acomete constantemente. Eu e milhões de outras pessoas somos vítimas desse mal criado pelo pessoal do marketing, cuja descrição do trabalho consiste exatamente em nos deixar recheados de ansiedade. Caso em questão: a minissérie produzida pela NETFLIX, Maniac. De forma bem marota, todo seu material de divulgação consistia em mostrar que absolutamente nada e, ao mesmo tempo, tudo poderia acontecer. Foi uma jogada realmente brilhante deixar à cargo da imaginação do telespectador o que viriam a ser esses 10 episódios. A única certeza que eu tinha era que seria uma puta loucura estilo David Lynch. E foi?

Para uma pessoa muito contraditória quando se trata de ficção – que nem eu, um verdadeiro realista seletivo -, a certeza que embarcaríamos numa viagem alucinante despertou muita curiosidade e receio. Eu tenho a extrema necessidade que tudo seja crível, mesmo sendo uma obra de pura ficção científica (veja meus votos no nosso Top 10 – Filmes de Ficção Científica) e já nos primeiros 2 minutos do episódio um, eu estava consideravelmente preocupado com o prazer que extrairia da série e confirmei que pelas próximas 7h mergulharia na loucura à lá “David Lynch”. Só que não.

Antes de mais nada, vamos dar um norte à obra. Owen (Jonah Hill) e Annie (Emma Stone) se candidatam para um teste laboratorial da NFB (Neberdine Farmacêutica e Biotech) com uso de drogas experimentais e equipamentos geridos por uma inteligência artificial, GRTA, para tratamento psicológico. Ambos possuem graves condições neurológicas pré-existentes e durante o tratamento, que consiste em usar a GRTA para administrar o enfrentamento dessas mazelas em sonhos muito vívidos, acabam coabitando a mente um do outro. Lembra em certos aspectos “A Origem“, com um personagem ou outro ciente que está em um experimento durante esses sonhos na mente do outro, e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças“, nas tentativas de isolar certas lembranças dolorosas para chegar a um desfecho emocional cicatrizante.

Como não podia deixar de ser, o foco são os momentos que Owen e Annie entram em seus sonhos vívidos. Muitos simbolismos e representações que observamos nas mentes deles, de adaptações que o subconsciente faz para lidar com tragédias, me fizeram voltar várias vezes algumas cenas para captar detalhes muito pequenos, como um animal passando ou um nome de alguém, que criavam um subtexto enriquecedor para cada cena. A possibilidade de explorar vários cenários criados pelos sonhos, indo de um mundo de fantasia até um com alienígenas, proporcionou situações muito bem trabalhadas pelo roteiro. Onde mais, na mesma obra, você verá dilemas que um elfo e um alien teriam que resolver? Fica ainda mais interessante quando os problemas psicológicos e as memórias muito íntimas de ambos começam a se misturar, sedimentando uma relação que carrega a série nas costas.

Paralelamente à história dos dois, temos a relação da equipe médica que é tão instigante quanto. Dr. James (Justin Theroux), com seus dilemas éticos, e GRTA (que tem uma concepção fundamental para entender a obra), servindo de elo entre os dois núcleos, protagonizaram alguns dos momentos mais pesados emocionalmente, mostrando a competência de Cary Joji Fukunaga na escrita do roteiro e direção dos atores. Quem está familiarizado com seu trabalho sabe da competência dele nesses quesitos, basta ver nosso Garimpo Netflix: Originais Netflix 2, que conta com um dos melhores longas originais da plataforma, também dirigido e escrito por ele, e o nosso Top 10 – Melhores Séries do Século XXI, tendo ele dirigido todos os episódios da 1a temporada e co-criado a série que ocupa o 3o lugar da lista.

A fotografia utilizando cores fortes em uma história se passando mais ou menos no final dos anos 80 trouxe um ar nostálgico que, junto com as tecnologias “arcaicas” (temos até alguns floppy disks) se misturando com conceitos modernos, deram uma identidade singular à obra. Todos os aparatos eletrônicos e designs usam uma concepção retrô, com botões coloridos piscando e monitores mostrando informações pixeladas, contribuindo para criar uma atmosfera muito imersiva e familiar. Basta ver o logo da NFB, uma junção dos logos Apple e IBM daquela época. Em termos técnicos não há o que apontar de ruim, até mesmo em cenas que iam para outros mundos por breves momentos (como na imagem acima) foram um deleite para os olhos.

Em suma, Maniac é uma minissérie tradicional no que tange a estrutura narrativa, mas que expande seus limites nos momentos que o roteiro permite. Há um esmero técnico, os atores entregam performances de alto nível e a história é envolvente, mesmo não chegando a emocionar em seus momentos chave. Ela não foi a viagem que achei que seria e, felizmente, não me decepcionou. Parabéns, pessoal do marketing!

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