Crítica: A Mulher Mais Assassinada do Mundo (La femme la plus assassinée du monde)
O terror, um dos gêneros mais populares do Cinema e de toda a produção cultura mundial, tem, no que se refere às artes dramáticas, o seu templo. Trata-se do hoje famosíssimo Teatro Grand Guignol, localizado no distrito de Pigalle em Paris. Inicialmente o Guignol já começou com uma revolução no teatro da época, apresentando peças que focavam em personagens que perfaziam a então considerada escória da humanidade como prostitutas, trombadinhas e afins. Era um teatro popular, com preços populares e para o povo. Eventualmente, o foco foi mudado e o dramaturgo (se é que dá para chamá-lo assim) André de Lorde passou a escrever quase que exclusivamente esquetes sobre assassinato, tortura, estupro e toda sorte de atividade humana que causa repulsa. O choque era o objetivo e o sucesso de uma noite no Guignol era medida pela quantidade de pessoas que vomitava ou desmaiava durante as apresentações. O Guignol se tornou sinônimo de horror de tal forma que é hoje até mesmo um termo usado no gênero para se referir a uma obra exageradamente sanguinolenta e caprichada no gore.
Sua maior estrela foi Paula Maxa, uma atriz que foi assassinada, estuprada e torturada incontáveis vezes em cena para o deleite da audiência, recebendo, então, a alcunha de “A Mulher Mais Assassinada do Mundo”. Evidentemente, nada disso era verdadeiro, mas tão somente uma encenação barata, feita para chocar e apelar aos instintos mais basilares do ser humano, que lotava o Guignol a cada sessão.
Pegando emprestada essa riquíssima história, Franck Ribiére (do documentário “Steak (Re)volution”) faz sua estreia em longas de ficção com este A Mulher Mais Assassinada do Mundo. O foco aqui é em Paula Maxa e na ficcionalização do que seria sua vida pessoal, ao mesmo tempo que uma grande homenagem ao gênero do terror é inegavelmente oferecida pelo cineasta.
Nele, o bairro de Pigalle, onde fica o Grand Guignol até hoje, está sendo palco de vários assassinatos. O jornalista Jean (Niels Schneider) começa a investigá-los e, a mando de seu editor, tenta forçar uma conexão entre eles e as peças sanguinárias do teatro. É mais ou menos aquela velha, tacanha e estúpida lógica de se afirmar que chacinas são cometidas porque o assassino jogou Call of Duty no final de semana ou ouviu Slayer antes de cometer o crime. “Há mais canções de amor do que de qualquer outro tipo. Se a música pudesse te compelir a fazer qualquer coisa, estaríamos todos aí nos amando”, Frank Zappa.
Enfim, Jean acaba por se aproximar de Paula Maxa (Anna Mouglalis, com voz de quem fumou a vida toda) durante suas investigações, descobrindo mais sobre o passado dela do que gostaria e levando-nos pela mão nestas descobertas.
Apesar de ter uma premissa muito promissora e uma evidente boa-fé no que se refere a homenagear o legado do Guignol, a obra fracassa em quase todo o resto. Tem-se aqui um desenho de produção que dá ares de filme B da década de 80, ilustrando um roteiro confuso, conduzido por uma direção perdida – o que leva a atuações apáticas – e uma montagem realmente lamentável, que vem apenas para adicionar ainda mais confusão à fotografia excessivamente escura e também indecisa. E tudo isto ainda é complementado por uma trilha sonora equivocada, em volume alto demais e exageradamente presente por toda a obra.
Mesmo errando na maior parte do tempo, A Mulher Mais Assassinada do Mundo ainda tem algum mérito em seu argumento final e no evidente amor dos realizadores pela história do gênero. Trata-se de um filme que em geral não sabe bem o que quer, flutuando entre gêneros de forma desconexa, mas que sabe que, ao menos no que se refere sua devoção à história do Guignol, quer prestar uma homenagem ao terror e ao seu mais célebre palco, com um entusiasmo que empolga, ainda que peque bastante na execução.
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