Crítica: O Anjo do Mossad (The Angel)
“Às vezes para se obter a paz é necessário a guerra”. “A guerra é um jogo sujo”.
Essas são duas falas proferidas por personagens diferentes do filme O Anjo do Mossad, liberado na Netflix esta sexta-feira. Personagens estes que representam pessoas reais da História política do Egito, em um dos momentos mais delicados (se é que não são todos) da relação entre árabes e judeus. Um conflito que se assume eterno, com diversas idas e vindas; com momentos de aparente paz, mas que balança no fio da navalha, esperando o leve sopro que possa desestabilizar um acordo definido à imagem e semelhança de um castelo de cartas; esse é um resumo do milenar confronto entre dois povos que descendem de uma mesma origem. Essa é a ilustração do motivo de não se ver, em tempo algum, a mínima possibilidade de uma definição plena entre ambos.
Dirigido por Ariel Vromen, o filme conta a história de Ashraf Marwan (em atuação linear de Marwan Kenzari), genro do presidente do Egito. Porém, após o líder do Estado perder a vida por causas naturais, é substituído pelo vice, que radicaliza um tanto na pegada das relações exteriores. Durante a década de 1970, em plena Guerra Fria, os árabes vêem na aliança com a URSS uma possibilidade de se fortalecerem diante do domínio de Israel nos territórios que os judeus disputam com a Palestina. Contudo, diferente de todo o gabinete, Ashraf considera que uma proximidade com os Estados Unidos seria fundamental para um acordo de paz, evitando-se, assim, uma destruição em massa de ambos os lados. No entanto, é evidente, seu posicionamento (tal qual fora no governo de seu sogro) é descartado. Eis que, então, Ashraf resolve agir sozinho. Desta forma, denuncia ao novo presidente membros do antigo gabinete, que são presos; e, como resultado, ele próprio toma o lugar desses nas relações internacionais do Egito. A partir daí, Marwan, secretamente, encontra-se com um agente do Mossad (pelo bom ator Toby Kebbell) para trocar informações confidenciais do governo egípcio por dinheiro.
A narrativa de Vromen tem todos os recursos de um filme de espionagem introspectivo. Os suspenses entre as movimentações de cada personagem. Reviravoltas. Ligações por demais próximas entre inimigos naturais e a iminência da descoberta disso por seus conterrâneos do governo. Tudo isso vai gerando no espectador uma imersão fundamental, fazendo-o duvidar, inclusive, das intenções do protagonista. A costura que o diretor realiza em seu conto é essencial para que, durante o filme inteiro, não só os agentes do Mossad duvidem do que faz Ashraf, mas sobretudo nós. E isso torna as sequências mais e mais interessantes. Como se não bastasse isso, o próprio Egito entra na espionagem local, quando um dos participantes do novo gabinete (fiel a um daqueles políticos feitos prisioneiros pelo novo governo) inicia uma perseguição aos movimentos de Ashraf. Assim a obra vai nos envolvendo em uma espiral de espionagem, enrolando-nos, junto aos seus personagens, nessa teia que se assume sem saída.
Para além do mero filme desse gênero, dois destaques positivos a este título são marcantes: o fato de não tomar parte de um ou outro lado (o que seria particularmente criminoso se acontecesse, já que estão falando exatamente sobre a necessidade de paz entre os dois povos); e o foco da narrativa também girar em torno das consequências desse trabalho nas famílias de cada agente especializado. Quando paramos para ler a história dessas pessoas e estudar como seus atos mudaram o rumo de vários países e povos, por vezes ignoramos que se tratam de seres como eu e você, e que labutam entre os sabores e dissabores da vida, sendo muito mais do que uma peça de xadrez fundamental dentro dos caminhos de um país.
Sabendo dosar os núcleos dramáticos do roteiro, Ariel Vromen consegue realizar uma obra de valor que opta por, acima de tudo, nos lembrar o quão comum são as pessoas e o quão frágil se apresentam as relações humanas, desde seus espaços mais micro (como as ações de coleguismo) quanto os mais macro (como os caminhos da humanidade). Mas, enquanto isso, a eterna rivalidade entre irmãos milenares ainda não vislumbra a menor possibilidade de paz. Estimo que, daqui 100 anos, um neto ou bisneto meu estará a ver um pouco mais do mesmo visto por nós, nossos pais e os pais deles anteriormente. Isto porque o homem – evidentemente – é demasiado humano.
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