Crítica: O Banquete
Há um gênero não muito explorado pelo Cinema, mas que consistentemente produz pequenas e subestimadas pérolas como o maravilhoso “Deus da Carnificina”, de Roman Polanski. Trata-se do chamado huis clos, literalmente “à portas fechadas”. Neste tipo de filme, a maior parte esmagadora da ação – e no caso aqui ela toda – se passa em um só cenário, geralmente entre quatro paredes. Isto acaba por causar dois efeitos perceptíveis por qualquer um: uma sensação de opressão perene e a impressão inafastável que se está diante de uma peça de teatro. Em geral, este tipo de narrativa também costuma focar em uma elitezinha qualquer e suas preocupações irritantemente mundanas.
Este é EXATAMENTE o caso de O Banquete, novo longa escrito e dirigido por Daniela Thomas, dramaturga e cineasta responsável por obras verdadeiramente excelentes como “Linha de Passe”. Nele, Daniela se propõe a munir o espectador de uma lupa e ajudá-lo a escrutinar personagens que fazem parte de uma realidade muito longe das massas ignaras, uma gente que discute fazendo menções a agentes históricos como Pentesiléia (também não fazia ideia de quem era antes de olhar no google) e usando palavras que somente um povo com aquele mesmo arcabouço intelectual inalcançável por qualquer um que não o criador do roteiro teria, o que acaba por soar, para os não-iniciados, como uma punheta intelectual.
Estes personagens, membros de uma evidente elite intelectual de esquerda no Brasil do final dos anos 80, estão comemorando o aniversário do casamento de dois deles, o jornalista fodão Mauro (Rodrigo Bolzan) e a atriz Bia (Mariana Lima), na casa de outro casal, o rico advogado Plínio (Caco Ciocler) e a editora Nora (Drica Moraes). Este jantar, que já começa de forma nada alvissareira, se arrasta por toda a exibição da obra que, embora mostre verve narrativa e algum virtuosismo nos diálogos, fracassa em sua tentativa de tornar aquela pompa toda mais palpável a olhos menos intelectualoides e, consequentemente, perde quase que por completo a empatia do espectador.
Isto é ainda mais reforçado pelo fato do filme todo ser um grande ensaio sobre a hipocrisia das relações humanas, sejam elas quais forem, e, em sua tentativa de denunciar esta hipocrisia, ele basicamente coloca personagem contra personagem o tempo todo. À exceção daquele que já começa o filme totalmente embriagado e do acertadíssimo personagem do garçom – interpretado por um surpreendente Chay Suede e talvez a única coisa orgânica do filme – todo mundo se ataca incessantemente do começo ao fim. Há um ar de falsidade de enorme densidade permeando aquelas relações, todas elas pautadas pela auto-defesa na forma do impiedoso e inicialmente velado ataque, já que, afinal, temos pessoas aqui que se xingam de viado e pedófilo usando nomes de filósofos gregos, mas que não as impede de, sempre de forma muito intelectualizada, arregaçar com o próximo.
O garçom de Chay Suede, cujo nome não por acaso é Wanderson, apenas assiste àquilo, em uma clara analogia ao próprio povo brasileiro, a quem resta tão somente ouvir as infindáveis discussões da elite sobre o que deve ser feito consigo, limitando-se a servir calado e subservientemente, sem qualquer poder de coisa alguma ante aquela gente que, por saber quem é Poulet (que pra mim sempre quis dizer frango), se julga acima de tudo e todos.
Ainda que acerte em suas metáforas e analogias para a sociedade em geral, o roteiro é confuso na introdução dos personagens. A personagem de Bruna Linzmeyer, por exemplo, aparece do nada e serve a seu propósito de escada para que a trama avance e os personagens se avacalhem um pouco mais, só que ela não conhece ninguém ali e parece ter entrado na festa de penetra, tendo nela permanecido mesmo depois de barraco atrás de barraco. Outra coisa que incomoda é a aparente indiferença com que os personagens tratam interações absolutamente traumáticas tidas minutos antes ao simplesmente continuarem a beber e comer, mesmo depois de terem sido esculachados na frente de todos devastadora e inclementemente.
A isso adicionam-se ainda uma edição e mixagem de som ruins, com os atores enunciando todas as palavras e, ainda assim, sendo difícil escutar o que está acontecendo. A fotografia, embora correta em suas escolhas de ângulos e closes para ressaltar o ambiente opressor e agressivo, peca em várias situações ao valer-se deste expediente de forma exagerada mesmo quando os atores se movem loucamente, em uma escolha estética desagradável ao olhar.
No geral, O Banquete é um filme que se repete nas agressões emocionais que se amontoam na tela, prejudicando o ritmo da obra e dando uma espécie de dimensão única a toda a ação, mas que talvez se sustente pelos seus diálogos cheios de conteúdo, apesar de vazios de propósito, e pelas competentes analogias apresentadas, ainda que carregue em cada segundo um ar de pretensão que não se dissipa.
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