Crítica: Ozark - 2a Temporada

Você já viu a 1a temporada de Ozark? Caso a sua resposta seja negativa, recomendo fortemente que você pare aqui, coloque a página nos favoritos, assista seus 10 episódios e depois volte. Como a 2a temporada da série pega exatamente onde a 1a termina, a crítica estará recheadíssima de spoilers. E não faço isso por ser um escroto por vocação (como nosso editor-chefe), faço porque aqui sou um escroto por necessidade. Terminamos a 1a temporada concluindo a história que permeou todos os episódios, mas que inaugurou um novo arco nos seus minutos finais em um espetacular cliffhanger.

Ozark conta a história da família Byrde, que vivia no luxo em Chicago até que Martin Byrde (Jason Bateman) é convocado no meio da noite por seu chefe, Del (Esai Morales), a prestar contas de alguns milhões desaparecidos. Del é representante do 2o maior cartel de drogas mexicano e Martin é um dos encarregados de lavar o dinheiro do narcotráfico. O resultado do encontro é a morte do sócio de Martin – o verdadeiro ladrão – e de alguns outros infelizes que prestavam serviços para o cartel. Em seus minutos derradeiros Martin consegue barganhar por sua vida, prometendo lavar uma quantia absurda de dinheiro em pouquíssimo tempo em uma região pouquíssima explorada do Missouri, o lago dos Ozarks (que só existe devido a construção de uma barragem). Estamos falando de um grupo de criminosos que esfola pessoas vivas e pendura seus corpos em pontes – junto com os da sua família – para deixar de exemplo a quem quer que pense em prejudicá-los. A série se desenvolve na árdua missão de lavagem desses milhões e na falta de conhecimento da região por parte de Martin, que entra em rota de colisão com as forças locais, criminosas ou não.

A família Byrde.

Em seus momentos finais temos o embate entre as duas forças que carregaram a temporada: Del, representando o cartel, e os Snell, Jacob (Peter Mullan) e Darlene (Lisa Emery), produtores e traficantes locais. Martin consegue organizar um esquema que beneficiará a todos, a construção de um cassino flutuante nos rios pertencentes às terras dos Snell, aproveitando-se da legislação estadual que permite o jogo em águas fluviais. Isso facilitaria consideravelmente a lavagem de dinheiro em larga escala e, em troca, os Snell utilizariam as rotas de distribuição e venderiam seus produtos para o cartel – já que a sua rota foi arruinada por Martin ao tentar lavar dinheiro de outra forma, o que resultou em uma das mortes mais chocantes da 1a temporada – e ganhariam tanto dinheiro que sua força política na região, que já é grande, seria capaz de rivalizar com a da empresa construtura da barragem que alagou as terras de seus ancestrais. Isso sem contar que Martin evitaria de ser assassinado junto com sua família. Pronto! Acordo estabelecido e fim da temporada.

Mas aí conversa vai e conversa vem e a cabeça de Del é explodida por um tiro de escopeta dado por Darlene em um momento de fúria, deixando-nos apreensivos para descobrir o que resultaria da morte de um figurão do cartel para o acordo, para os Snell e, claro, para a família Byrde. Desde o início da série estava na expectativa de ver qual dos dois lados prevaleceria, já que nunca imaginei serem capazes de trabalhar juntos. De um lado uma força religiosa, patriota e tradicional e do outro uma força liberal e estrangeira. O local versus o global. Os rednecks versus os chicanos, na visão deles.

Os Snell, o casal mais perturbador que vi no ano.

É importante ter todo esse contexto em mente porque ele é o pilar para tudo o que acontece na 2a temporada, que começa com o corpo de Del sendo jogado dentro de uma cova em algum lugar da propriedade dos Snell. Essas duas forças que se odeiam são obrigadas a trabalhar juntas para conseguir sobreviver. Ainda assim, mesmo necessitando um do outro, há muita resistência de ambos os lados, o que leva Martin a cometer erros para tentar equilibrar a balança por não conhecer as forças que comandam o estado. É uma verdadeira tempestade de merda a empreitada para construir o cassino, que começa com uma mudança na lei estadual.

Novos jogadores dão as caras, como políticos corruptos, lobistas sem escrúpulos e a máfia de Kansas City (que poderia ter aparecido um pouco mais). Outras forças mais antigas ganham novo fôlego, como o FBI que aperta o cerco contra o cartel, liderado pelo oficial Roy Petty (Jason Butler Harner), e os Langmore, com a soltura de Cade (Trevor Long), que sempre teve bons momentos na 1a temporada nas breves aparições na prisão. A adição de forças governamentais corruptas em um jogo muito mais arriscado e amplo – a que o brasileiro está bem acostumado – cria uma espiral de acontecimentos que não te dá tempo de respirar e assentar o que ocorreu. Não temos mais aqueles momentos contemplativos ou cenas do passado de Martin no seu caminho rumo à lavagem de dinheiro. Na 2a temporada quem age primeiro dita o ritmo, criando um cenário de grupos rivais se antagonizando o tempo todo.

A fodona Ruth.

O que faz de Ozark uma série viciante é sem dúvida a qualidade das atuações de um elenco primoroso. Começando pelo núcleo que roubou a temporada: os Snell. Darlene, com seus rompantes de raiva e suas atitudes impiedosas, moveu a série em sua 1a temporada, mas dessa vez o palco foi tomado pelo monstro – personagem e ator – Jacob. Ao colocar a família Byrde sob sua proteção, criou-se uma parceria tensa que, em diversos conflitos de interesse, tinha um ar terminal, fazendo do semblante de Jacob a máscara da morte. O acordo estabelecido por Del antes de ter sua cabeça estourada é levado adiante por um novo representante do cartel: a advogada Helen Pierce (Janet McTeer) – conhecida também como a mãe da “Jessica Jones” – que, cá entre nós, deixou a desejar no quesito loucura, numa tentativa clara de contrapor tanto Del quanto os Snell. Já que era pro circo pegar fogo, podiam ter trazido alguém com o tino da família Salamanca de “Breaking Bad“, certamente teria rendido mais tensão e violência em um “casamento” explosivo com o personagem dessa força da natureza que é o Peter Mullan.

Outro núcleo que manteve sua importância foi o dos Langmore, mesmo com a morte de Russ (Marc Menchaca) e Boyd (Christopher James Baker) na 1a temporada, que representavam ali a típica família associada à criminalidade local, com praticamente todos os membros fichados. Wyatt (Charlie Tahan), filho de Russ – que faz muita falta na série -, ganha novas dimensões, amadurecendo significativamente com a perda de seu pai em circunstâncias que o perturbam, protagonizando uma das cenas mais comoventes da obra embalada pelo cover de “The Man Who Sold the World” de David Bowie cantada por Russ (que inclusive é tema de um dos trailers de divulgação da série). Cade Langmore ganha bastante destaque na temporada, mostrando ser um personagem complexo e que nos deixa putos com a forma como ele trata sua filha Ruth (Julia Garner), mas ao mesmo tempo torcemos pra esse filha da puta quando ele protege Ruth de perigos iminentes.

https://www.youtube.com/watch?v=-n_h4TXuySQ

Ruth é sem sombra de dúvida a força motriz emocional da série. Ela é jogada para todos os lados do conflito, é pressionado por seu pai e Martin constantemente, preocupa-se com seus primos, principalmente com Wyatt, e consegue ser a fodona-durona-do-caralho quase 100% do tempo. São raros os momentos de fraqueza da personagem, mas quando conseguimos um vislumbre de sua sensibilidade vemos o quão frágil e destruída ela está por dentro. Julia Garner é uma atriz já em outro patamar e isso fica bem evidente nessa temporada.

E a família Byrde? Por incrível que pareça, com a exceção do filho Jonah (Skylar Gaertner), é um núcleo que nada apresenta de novo. Martin e Wendy (Laura Linney) continuam a saga de convencer pessoas tentando causar o mínimo de distúrbios possíveis, dançando no ritmo da música que lhes é imposto tanto pelo cartel, quanto pelo FBI e pelos Snell. Seus bons momentos ocorrem quase sempre associado ao carismático e moribundo Buddy (Harris Yulin), que parece aquele sábio da montanha (no caso, do porão) que só surge para dar o conselho certo na hora certa.

Eu não fazia ideia de quem tava caçando quem nessa cena.

A 2a temporada de Ozark é um deleite para os fãs e consegue fazer o que “Breaking Bad” fazia comigo, torcer contra as autoridades e a favor do crime organizado. A mudança da proposta da 1a temporada, com todos querendo a cabeça do Martin, para um cenário que o alvo sai de suas costas e ele assume o papel de conciliador de partes que cedem muito pouco e têm seus próprios interesses, funcionou muito bem. Esperamos ansiosamente por uma 3a temporada, de preferência sem sexo violento de sexagenários… eu não estava preparado para isso.

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.