Garimpo Netflix: Lobos em Pele de Cordeiro
O Garimpo é um quadro do MetaFictions no qual indicamos toda semana bons títulos disponíveis nas maiores plataformas de streaming. Clique aqui para conferir os anteriores.
“Como um lobo em pele de cordeiro / Você tenta esconder os seus pecados mais íntimos / De todas as coisas erradas que você fez / E eu sei a que lugar você pertence“, canta Bruce Dickinson na canção “Caught Somewhere in Time” composta por Steve Harris para o Iron Maiden.
A expressão “lobo em pele de cordeiro” denota algo de ruim, de péssima índole, que está a se esconder, passando uma imagem de pureza e inocência. O predador escondido sob a carcaça de sua presa, fantasiado de algo que não é no intuito de poder, mais facilmente, destroçar aquilo que deseja. Seja uma pessoa, seja um universo específico, muitas são as facetas que aquilo pode tomar para confundir a percepção de outrem, de modo a torná-lo indefeso, enquanto a real identidade vai emergindo e a roupagem fantasiosa desaparecendo.
Quando o véu cai e a verdadeira natureza se revela, todos se dividem em lobos ou cordeiros.
– Confiar (Trust), de 2010, dirigido por David Schwimmer
Um dos temas mais recorrentes do século XXI após a plena imersão de nosso dia-a-dia na internet, a nossa vida virtual em total conexão com a vida real vai fazendo de problemas digitais grandes conflitos materiais. Em Confiar, Annie Cameron (em excelente atuação de Liana Liberato) é uma garota de 14 anos que começa a entrar em salas de bate-papo e fazer novos amigos. Charlie surge nesse universo, dando conselhos e ajudando Annie em algumas questões pessoais triviais. Mas as relações do mundo digital vão se fazendo presentes no emocional e psicológico de quem o acessa. Como se presa a uma “Matriz”, Annie precisa conhecer ao vivo seu novo amigo, por quem nutre cada vez mais um verdadeiro afeto.
No entanto, aos poucos, Charlie vai se revelando mais velho do que dissera. Ainda contando com a confiança da amiga, marcam um encontro, quando ela descobre que ele é realmente bem mais velho. Um adulto maduro, de fato. Mas a armadilha já estava pronta desde que os sentimentos de Annie foram feitos reais. Dessa forma, ela insiste em seguir na jornada de conhecimento do “amigo” disfarçado. Com a vivência de quem já faz isso há tempos, Charlie consegue levá-la para um motel, onde tira sua virgindade, a contragosto, inicialmente.
Sem conseguir mais contato com ele, a menina entra em depressão, à medida em que sua família descobre o ocorrido. Agora, todos tem que viver em meio aos escombros psicológicos e emocionais ocasionados por um predador que esteve sempre coberto por um véu de pureza.
– Top Model (The Model), de 2016, dirigido por Mads Matthiesen
O nome pode parecer pouco evocativo, mas o filme dinamarquês traz uma bela essência e o título tudo tem a ver com o que a obra aborda. O nosso lobo em pele de cordeiro aqui é representado pelo “universo” da moda e da fama. Junto com Emma (em grande atuação de Maria Palm), uma adolescente que sonha em ser modelo, saída de um pequena cidade na Dinamarca, entramos no vultuoso mundo da moda, no qual a beleza e a pureza da Arte são apenas elementos estéticos a esconder um constante desfile de vaidades, egoísmos e egocentrismos.
Após quase ser rejeitada em um primeiro ensaio em Paris, Emma se envolve com o bem-sucedido fotógrafo Shane White (muito bem por Ed Skrein), por quem passa a desenvolver um sentimento muito forte, quase obsessivo. Conseguindo seguir em sua tão sonhada jornada, a inocência da menina de cidade pequena vai se convertendo imunda pelos seus desejos de se tornar grande em um mundo de poucos para poucos, ao passo em que cada um que atravessa seu caminho é responsável por dilacerar um pouco mais desta candura que ela guardara.
– The Fall (The Fall), de 2013, criado por Allan Cubitt
Com três temporadas e 17 episódios, a grande série anglo-irlandesa The Fall conta a história de um homem de família comum, mas com práticas nada triviais. Paul Spector (lindamente encarnado por Jamie Dornan, o infame Christian Grey da série “50 Tons”) é um psicopata em série, com determinados fetiches em seu padrão de ataque. Diferente do estereótipo mais raso do tipo, Spector é um homem bonito, bem relacionado e polido, mas que sofrerá com as investidas da investigadora Stella Gibson (pela sempre maravilhosa Gillian Anderson), uma mulher forte e indomável dentro e fora da Academia Policial.
Ao longo dos três momentos da série, observamos o que levou Spector a tais atos, os principais instantes de sua vida e uma relação obsessiva que uma garota passa a nutrir por ele. Além disso, a investigação de Gibson vai aproximando-a do criminoso, de modo a também construir uma relação, no mínimo, singular. No meio desse furacão de acontecimentos, a família Spector não deixa de sofrer com a brutal e medonha revelação daquele que os provia.
Neste conto sombrio, que envolve um sólido trhiller com drama, todos podem guardar um pouco de lobos e um tanto de cordeiros.
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