Crítica: 22 de Julho (22 July)

Anders Behring Breivik é um nome que está marcado na memória recente do mundo, em especial da Noruega. Foi ele que, no dia 22 de julho de 2011, planejou e executou sozinho um elaborado atentado terrorista em sua própria Noruega natal. Breivik primeiro detonou uma bomba perto da sede do governo nacional em Oslo, matando 8 pessoas, e de lá rumou para a ilhota de Utoya, onde o Partido dos Trabalhadores da Noruega tinha uma espécie de acampamento de verão para a sua juventude, aqueles que seriam, aos olhos de Breivik, os líderes do futuro. Lá ele matou mais 69 pessoas, em um total de 77 mortos e mais de duas centenas de feridos.

Antes de falar mais qualquer coisa sobre o longa enquanto obra cinematográfica, eu devo fazer aqui um alerta a todos. A pertinência deste filme para o momento político específico que o Brasil vive é ASSUSTADORA. Em um momento em que a maior parte dos eleitores se vê encurralada entre dois polos, com uma disseminação de ódio político-partidário-mitológico que eu, nos meus 36 anos de vida, nunca vi nem remotamente igual, chega uma obra que nos dá um violentíssimo soco na cara e faz com que nos lembremos dos perigos reais e mais do que comprovados do extremismo e da culpabilização do próximo por todos os nossos problemas.

O verdadeiro Anders Behring Breivik e todo o seu carisma de extrema direita.

Breivik agiu por motivação política. Enquanto homem branco, ariano e norueguês, ele vinha se sentindo defenestrado por seu país natal, que assumira uma postura multiculturalista já muitos anos antes, em especial com a admissão em massa de refugiados das mais variadas partes do mundo. E, na cabeça deste animal, nada simbolizava melhor esta perda de protagonismo do cidadão de bem norueguês do que o tal Partido dos Trabalhadores, responsável, segundo ele, por fazê-lo se sentir uma minoria dentro de seu próprio país. Isto, não preciso dizer, é uma bobagem sem tamanho, já que, por mais refugiados e pessoas de outras culturas que a Noruega tenha absorvido, eles não perfaziam ou perfazem uma parcela expressiva da população.

Foi aos gritos de “marxistas”, “esquerdopatas” e “comunistas” que Breivik chacinou 69 adolescentes inocentes na tal ilhota, com a total certeza de que estava agindo ali pelo bem maior, em defesa da pátria e dos valores tradicionais noruegueses, justificando suas ações de uma maneira meio dostoievskiana, no sentido de que ele seria uma espécie de ser mitológico, imbuído da sapiência total e certo de que aquele seria o único caminho para fazer levantar as pretensas massas de homens como ele. Homens que estariam insatisfeitos com uma suposta situação periclitante da Noruega (sim, estamos falando da Noruega, possivelmente o melhor país do mundo), coisa que não deu muito certo, vez que hoje ele apodrece numa cadeia confortabilíssima perto de Oslo e só se ouve falar dele quando faz alguma exigência tipo TV a cabo em sua cela.

A relevância do filme se mostra ainda maior quando trocamos os xingamentos proferidos por Breivik por outros, como “fascista” e afins, para perceber que este extremismo está em todas as nossas vidas diárias, em nossas famigeradas timelines e nas ruas, onde pessoas se agridem em defesa cada um de seu filho da puta de estimação, todos com a mais absoluta CERTEZA de que sabem qual é o melhor caminho e que quem não compactua com isso é um completo imbecil.

Paul Greengrass, um dos meus diretores favoritos, escreveu e dirigiu esta obra com a sua usual obsessão pela verdade, como um homem que parece não ter qualquer opção na vida que não a pautar pela busca do âmago, do cerne de tudo. Este é um elemento comum em toda a sua obra, até mesmo nos seus filmes mais comerciais como os de Jason Bourne, mas que fica realmente claro na espetacular obra-prima “Voo United 93” e no excelente “Capitão Phillips”.

Aqui, contudo, o diretor e roteirista se deixa levar pela tentação que é a de recontar milimetricamente tudo o que aconteceu naquele dia 22 de Julho, todos os desdobramentos depois do ocorrido e, principalmente, as consequências daquilo para a sociedade norueguesa como um todo. Para tanto, ele resolveu contar uma história dividida em 3 partes distintas que teriam funcionado muito melhor como 3 episódios de uma minissérie, mas que, em um filme de quase duas horas e meia, trazem à obra um problema bem grave de ritmo.

Na 1a e melhor delas, Greengrass segue a mesma estupenda fórmula do já mencionado “Voo United 93”, mostrando os preparativos de Breivik, aqui interpretado com segurança por Anders Danielsen Lie, a execução do seu plano e a apresentação dos demais personagens desta história: o sobrevivente Viljar (Jonas Strand Gravli) e Lippestad (Jon Øigarden, demonstrando uma versatilidade impressionante considerando sua performance como o histérico Jarl Varg em “Norsemen“), o advogado que Breivik exige para lhe defender. Depois disso, temos aí um tempão de uma história que se arrasta com os diálogos megalomaníacos de Breivik, visivelmente orgulhoso de seu “feito” com seu advogado, bem como da angustiante e dolorosa recuperação de Viljar, com tudo culminando no julgamento final em que o assassino foi condenado a meros 21 anos de prisão (que é o máximo na Noruega), com possibilidade de extensões de 5 em 5 anos.

Enquanto longa-metragem, 22 de Julho deixa a desejar, ficando um pouco abaixo das demais obras do cineasta e incomodando também pela escolha em se usar atores noruegueses falando inglês, o que causa um visível estranhamento em alguns deles, ainda que o inglês seja quase que uma segunda língua nativa naquele país. Contudo, como documento histórico e enquanto mais uma lembrança do caminho inevitavelmente trilhado pelo fanatismo e pelo radicalismo, 22 de Julho é um filme de uma relevância tal que se torna até mesmo necessário, em especial ao se considerar a atual conjuntura não só do Brasil, mas deste mundo cada vez mais estupidamente polarizado em que a moderação é vista como falha de caráter.

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.