Crítica: Illang: A Brigada Lobo (Inrang)
Após uma grave crise econômica o país se polariza em dois grupos, ambos com posturas radicais, ambos ambicionando o poder e usando o bem popular como desculpa para tal ambição. Parece algo recente, familiar, próximo de nós? E se eu te dissesse que o filme se passa na Coréia em 2029? Mais ainda: e se eu te dissesse que o filme é baseado em uma animação Japonesa de 1999? Parece que não importa onde se vá ou quando se vá, os interesses são os mesmos, os medos são os mesmos, os personagens são os mesmos. “A pior coisa é não saber quem odiar”, diz a protagonista quando constata que nada há de mudar: poderosos continuarão em suas torres, peões treinados seguirão suas ordens sem questioná-las, e, no meio do fogo, o povo comum tenta encontrar um pouco de vida que possa assim ser chamada. Na vida real, o Lobo Mau devora a Chapeuzinho Vermelho e não há caçador que venha livrar-lhe de dentro de seu ventre.
Illang: A Brigada Lobo, lançamento de sexta-feira da Netflix, vem para se provar vivo o interesse dos quatro cantos do planeta pelo perigo dessa queda de braço entre potências e poderes. Quando a disputa entre Coréia e China pelo controle asiático leva o Japão a se remilitarizar, Coréia do Norte e do Sul decidem se unir sob uma única bandeira. Temendo o surgimento de mais uma potência asiática, Estados Unidos e Rússia impõem sanções que destroem a economia do país, levando a recém unificada Coréia às beiras de uma guerra civil. Com o surgimento de um grupo revoltoso terrorista chamado A Seita, que luta contra a unificação, as forças de segurança nacional criam a Unidade Especial, e essa nós conhecemos muito bem: policiais altamente treinados e preparados para qualquer tipo de missão, com direito a caveirão, armadura bizarra pra deixar Darth Vader parecendo princesa da Disney e tudo o que se tem direito.
Cinco anos antes a Unidade é enviada para uma missão dúbia que acaba matando 15 meninas inocentes, abalando a moral do grupo e levando à criação de uma facção interna chamada “A Brigada Lobo”, que age nos bastidores eliminando envolvidos com corrupção. Um dos veteranos dessa missão, Lim na legenda brasileira ou Im no coreano original (Gang Dong-Won no papel do John Rambo fodalhão da Coréia), e Yoon-hee (Han Hyo-joo numa bela interpretação), a suposta irmã de uma simpatizante da Seita, se veem envolvidos numa conspiração de alto gabinete que busca encenar um golpe militar e derrubar a Unidade Especial.
Baseado no Anime Jin-Roh (de Hioroyuki Okiura, animador de clássicos como Blood: The Last Vampire, Cowboy Bebop: O Filme e Akira, o filme), o longa apresenta uma estética extremamente próxima ao original e um enredo bastante similar. Tal estética é um dos grandes – e vários – acertos do filme. Com um visual cyberpunk misturado a referências da Europa pré-Segunda Guerra, em cenas quase sempre noturnas e efeitos especiais levemente futuristas mas não muito distantes da nossa realidade, o filme consegue transportar o espectador para dentro deste mundo fictício e distópico, dando respaldo a uma história longa (2h e 19min) e com uma narrativa por vezes lenta e delicada, por outras ágil e abertamente cinemão de porradaria. E tem de tudo um pouco: intrigas políticas, reviravoltas, espionagem com clima noir, romance, perseguições automotivas num estacionamento (pra deixar “Velozes e Furiosos: Tokyo Drift” com vergonha), tiro, porrada, bomba e todos os truques que um filme de ação asiático pode oferecer. E em sendo, de fato, um filme asiático, não é apenas na ação e efeitos que ele brilha. As atuações são convincentes e os personagens, apesar de estereotipados – vilões são maus, heróis são bons – são mais bem roteirizados que seu típico filme de tiro hollywoodiano.
Han Hyo-Joo convence como a mocinha acidental, dividida entre a fragilidade, a força e a astúcia. A interpretação de Gang Dong-Won (ou, diria eu, uma quase “não-interpretação”) dá àquele papel do brucutu silencioso e mortal uma dimensão sutil, expondo (e por vezes escondendo) em olhares discretos o que deve estar se passando em sua alma. Ou seja, filmaço de deixar sorriso no rosto de quem gosta de ver heroizinho caminhando sem olhar para trás enquanto o mundo se explode.
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