Crítica: A Noite nos Persegue (The Night Comes for Us)

Desde o início do MetaFictions eu venho pelando fortemente o saco de “Operação Invasão“. Em qualquer oportunidade que aparece, lá estou eu dizendo que este é o melhor filme de ação dos últimos 10 anos, que revolucionou o gênero, colocou a Indonésia no mapa e revelou o excelente diretor Gareth Evans, responsável pelo também excelente lançamento original da semana passada da Netflix, “Apóstolo“. O que mais falo, contudo, é do seu mérito de ter apresentado ao mundo o animal que é Iko Uwais, imediatamente alçando-o ao posto de maior estrela indonésia de todos os tempos e crescendo o olho de Hollywood.

A mera presença dele no elenco já é suficiente para que tarados por gente se espancando coreografadamente como eu fiquem ávidos por ver qualquer filme. Infelizmente, este A Noite Nos Persegue segue pelo mesmo caminho do longa anterior do diretor Timo Tjahjanto com Uwais, “Headshot” (também disponível na Netflix), ao criar uma história desnecessariamente confusa e sucumbir exagerada e pesadamente a vários e irritantes clichés do gênero.

Neste aqui, apesar de Iko Uwais estar no elenco, provavelmente não queriam pagar o cachê inteiro dele, de modo que ele não é o mocinho e tem, na real, apenas umas 3 cenas de porrada, incluindo a melhor e verdadeiramente boa cena final. O protagonista é Joe Taslim, uma espécie de galã indonésio que também estrelou “Operação Invasão“ mas não matou nem 10% da quantidade de vagabundo que Uwais arregaçou. Aqui ele é Ito, um bandido regenerado que resolveu trair as tríades chinesas para salvar a vida de uma menina. Só com essa sinopse curtíssima vocês já sabem o que vai acontecer, certo? Ito será caçado inclementemente, gente PARA CARALHO vai morrer e teremos cenas e mais cenas de jagunço tomando no cu das formas mais violentas que se pode imaginar.

E, puta que o pariu, não se economizou em nada na violência e no sangue. Eu sinceramente não me lembro de ter visto tanto sangue em um filme só nos últimos tempos. O problema nesse quesito é que é tudo tão exagerado e gratuito que a imersão se perde, e eu nem estou falando de qualquer problema de roteiro. Se você está preocupado com roteiro, vaze desse filme e vá ver outra coisa, porque, realmente, não tem nada aqui. O que importa é única e exclusivamente a ação e, apesar de ter sim alguns momentos de excelência, ela se mostra extremamente derivativa, com coreografias nada práticas, indo na contramão do que “Operação Invasão“ tão brilhantemente estabelecera anos antes.

Sim. Ele matou todo mundo.

É exatamente este o problema de “Headshot” e aqui ele se repete. Quando a porrada come, as caras e bocas são exageradas demais, os movimentos de todo mundo que não os protagonistas são telegrafados bizarramente e qualquer toque que alguém dê em outrem é o suficiente para um jato de sangue espirrar na sua cara. O som vai pela mesma esteira. Além de apresentar uma trilha sonora confusa e inadequada ao que está acontecendo, a própria sonoplastia é desastrada e também exagerada, com, mais uma vez, todo e qualquer movimento ensejando um som altíssimo, lembrando aqueles filmes chineses de artes marciais clássicos e datadíssimos dos anos 70.

As cenas de ação vão também pelo mesmo caminho. Essa mania que os realizadores têm de apresentar seu protagonista como um ser divino e invencível me irrita não é de hoje. São vários os momentos em que alguém está cercado de milhões de capangas e, ainda assim, eles permitem que o malandro enfrente um por um no mano a mano, além daqueles momentos clichezentos ao extremo do sujeito que está na mira de alguém e consegue virar a situação de formas que não fazem o menor sentido prático.

Felizmente, quando o diretor resolve que Iko Uwais e Joe Taslim vão entrar na porrada no mano a mano com alguém (e um contra o outro), o filme funciona. Essas cenas são feitas com esmero técnico, numa tomada só, com os golpes aparentemente conectando violentamente, ainda que o efeito sonoro alto para um caralho prejudique um pouco a verossimilhança. A foda é ter que aguentar 2 horas de um filme que não tem nada para dizer para ver algumas cenas realmente muito boas.

De todo modo, mesmo diante disso tudo, das atuações assustadoramente pavorosas de boa parte do elenco, da subutilização de Iko Uwais e de um deus ex machina descarado na forma de uma mulher que aparece do nada para ajudar Ito, A Noite Nos Persegue ainda consegue funcionar, ainda que só por um pentelho, como filme de ação por causa da qualidade de suas cenas de luta e do carisma de seus dois protagonistas.

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