Crítica: O Primeiro Homem (First Man)

Nos idos de 2014, o então desconhecido Damien Chazelle apresentara ao mundo uma obra-prima de tirar o fôlego, conhecida pelo nome de “Whiplash” (objeto de um Assista! nosso) , levando-o a algumas indicações ao Oscar, em cuja cerimônia sentou-se mais afastado, quase como um excluído, visto que ninguém o conhecia por ali. Seu grande feito o levou a garantir o projeto que tanto almejara, resultando, neste caso, na obtenção do título de diretor mais novo a ganhar uma estatueta dourada. No primeiro filme, o espectador foi levado à uma sincera viagem de sacrifício e obstinação na introspectiva história de um baterista wannabe; em “La La Land: Cantando Estações“, apesar da esplendorosa produção de um musical tipicamente hollywoodiano, Chazelle optou por nos integrar às vidas de dois carismáticos personagens que sacrificam suas relações amorosas pelas conquistas pessoais. Seguindo a mesma linha, Damien escolhe o astronauta Neil Armstrong para tratar sobre os mesmos assuntos em O Primeiro Homem – sacrifício e obstinação.

O título e o personagem já definem a sinopse que o espectador espera assistir: o primeiro homem a pisar na lua enfrentará os problemas políticos, tecnológicos e familiares para conseguir realizar o desejo de toda uma nação, em plena Guerra Fria, cuja corrida espacial era de longe vencida pelos soviéticos até aquele momento. Esse mesmo espectador, que conhece o fato verídico relatado, já sabe a conclusão desse episódio. No entanto, erra absolutamente se pensa que irá à sala de cinema para assistir a uma romantização glamourosa de um feito extraordinário norte-americano. Não estamos falando de uma nova produção dirigida por Steven Spielberg. Estamos a falar de Damien Chazelle.

Um passo ao Grande Desconhecido.

Neil Armstrong (Ryan Gosling) é um promissor engenheiro espacial que participa de importantes projetos da NASA, até conseguir ser parte daqueles testes que levarão alguns membros da equipe para a Lua. O pouco amistoso homem é moldado em perdas, o que vai fazendo-o se fechar em uma armadura pessoal – tal qual aquelas que costuma vestir para se proteger das condições atmosféricas nada convidativas – até mesmo para seus familiares. Essa é sua forma de se relacionar com a ausência de sua filha, que vivera apenas 3 anos, e de seus amigos que vão sendo sacrificados durante os imparáveis testes e missões da Instituição. Seu trabalho vai ficando cada vez mais presente em sua vida, à medida em que se assume uma fuga da realidade amarga com a qual é obrigado a conviver. “Se estou no meu jardim sozinho é porque não quero falar com ninguém”, avança Neil com sua frase ácida a um de seus grandes amigos, enquanto olha para o Grande Desconhecido que paira acima. Muitos são aqueles que escolhem desaparecer a lidar com as questões mais delicadas de suas existências.

Tudo que poderia transformar este filme – e havia muito para isso – em um épico para além do Universo é reduzido por Chazelle em prol da história que realmente importa. Não é uma ode aos heróis da corrida espacial ou da tecnologia; não é uma homenagem às conquistas dessa nação. É uma jornada amarga e sacrificante de alguém que precisou ir até a escuridão total, onde não há som, calor ou nem mesmo a inerente força gravitacional, para que pudesse lidar face a face com sua escuridão interna, onde não havia som, calor e tão somente uma força abusiva que, assim como a gravitacional, puxava-o com insistência vil para baixo.

Orbitando.

Não há planos lindamente filmados de um espaço sideral cheio de cores e fantasias. Não há detalhes de super cabines e suntuosos lançamentos de foguetes para embasbacar aqueles que estão na grande cabine escura os assistindo. Há detalhes de parafusos, botões, fuselagem – tudo aquilo para onde os pilotos realmente olham, enquanto oram a Deus para que tudo dê certo dessa vez. Chazelle buscou o que de mais verídico há nessas histórias. E esse realismo impactante foi lindamente seguido por uma atuação memorável do excelente Ryan Gosling, que – ao contrário do que muitos insistem em dizer – não atua no automático, mas o faz com a naturalidade de uma pessoa que já não carrega vida em seu olhar, de que passa seus dias sem grandes sonhos ou expectativas; carrega em suas expressões as marcas de alguém que viu mais do que deveria e sofreu mais do que era esperado. Um ator não precisa atuar; ele precisa ser. E, da mesma forma, segue o ritmo em grande interpretação Claire Foy, que faz o papel da mulher de Neil, vivendo sobre os escombros emocionais e psicológicos de sua família, tendo que experimentar as mesmas perdas do marido, enquanto deve se mostrar presente aos dois filhos que crescem ao seu lado, de frente para a presença ausente do pai.

A “couraça” de matéria e sentimento.

Damien Chazelle nos leva em uma viagem até a Lua, em uma missão na qual pairam muito mais incertezas do que certezas, para nos trazer uma ilustração do que é existir: a dificuldade de lidar com a intransponível distância entre as pessoas, ainda que fisicamente estejam próximas demais.

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.