Crítica: Papillon
Em pleno contexto de radicalismos do mundo ocidental, os Estados Unidos lançam mais um remake (a rechear aquela lista que coloca cerca de 95% das obras atuais como não originais, isto é, baseadas em outras mídias, ou continuações ou releituras); este sobre liberdade ou sua ausência. O título escolhido é a história francesa de Henri “Papillon”, em sua primeira versão nas mãos de Franklin J. Schaffner, com Steve McQueen e Dustin Hoffman, nos idos de 1974. Quatro décadas depois, Michael Noer repete a dose. Apesar disso, a presente crítica não fará qualquer comparação entre as produções e analisará tão somente este filme por ele mesmo. Deixaremos o texto comparativo para um eventual e adormecido quadro RPR.
Papillon (por Charlie Hunnam) é um ladrão de jóias que está a tentar juntar um dinheiro grande para viver bem com sua amada. No entanto, em uma manhã aparentemente inofensiva, a polícia bate à sua porta e o leva preso por um crime que, segundo ele, não cometera. Sua pena arbitrária e sem grandes direitos a defesa é definitiva: prisão perpétua na Guiana Francesa, para onde a “escória” da França é levada. Em seu novo “habitat”, Papillon conhecerá o frágil, mas inteligente, Dega (por Rami Malek), com o qual criará uma relação deveras concreta. Lado a lado, ambos tentarão sobreviver a cada dia nesse local de trabalhos forçados, no qual não vislumbram a menor possibilidade de fuga (apesar de a todo momento criarem um sem-número de possibilidades).
Durante as pouco mais de duas horas de filme estaremos de frente para essas tentativas de fuga e para a insistência da sobrevivência. Diferente daqueles que, nessa prisão, tentaram escapar e foram pegos, mas que encontraram na execução sumária como castigo uma liberdade imediata, Papillon e Dega lutam diariamente. “Quando você tem uma batalha, você vai lá e luta”, dissera algo parecido nosso editor-chefe Gad (Gustavo David). E assim permaneceram os bons amigos, apesar do ambiente pouco convidativo e do sonho de liberdade se apresentar tão impossível. No duro, quão parecido com a nossa vida é este conto?
Dentro dessa grande prisão, há outras prisões, como a solitária (seja por dois anos, seja por cinco, dependendo do seu delito lá dentro) ou até mesmo uma ilha (a Ilha do Diabo) para onde vão aqueles que já não são mais “recuperáveis” nessa nova ordem social. Mas para aqueles homens e mulheres que continuaram suas vidas na França (ou em qualquer outro país), até que ponto não viviam suas prisões pessoais a cada dia? O objetivo mais buscado por nossos protagonistas nada mais é do que um conceito que é mera ilusão, que sequer tem uma definição plena no próprio dicionário; conceito este que só existe comparativamente e não absolutamente. A prisão na Guiana era apenas institucionalizada, mas não necessariamente mais cruel ou nociva do que os diferentes calabouços da existência.
Apesar de um bonito material com o qual Noer tinha a trabalhar, caso se debruçasse um tanto mais carinhosamente, tornou-se vago e raso, não investindo na alegoria da vida-liberdade-prisão, nem desenvolvendo com determinado afinco a amizade entre os personagens (mais do que tudo, o filme fala sobre como dependemos emocionalmente de outrem, como nos é necessária a relação social, para seguir vivendo – tão imprescindível quanto a água ou ar). O resultado é uma subutilização de diversos elementos poderosos e caros à nossa existência. De todo modo, acima de qualquer opção narrativa, a história real de Henri “Papillon” será sempre tocante e familiar à todos aqueles que buscam, ainda que no seu íntimo, a liberdade.
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