Crítica: Venom

Em minha adolescência típica de moleque nerd punheteiro que andava para cima e para baixo com um gibi debaixo do braço, a única coisa que me chamava atenção no Venom era o tamanho de sua língua e no quanto aquilo me beneficiaria na tradicional e arrasadora prática do cunnilingus a respeito da qual eu tanto estudara. Nunca gostei muito do conceito do personagem, que me parecia ser apenas aquele velho clichê das histórias em quadrinhos do vilão que é a mesma coisa que o herói, no caso o Homem-Aranha, mas malvadão.

A coisa piorou ainda mais – e coincidiu com a época em que parei de ler os lançamentos regulares de quadrinhos – quando decidiram que Venom, que havia alcançado alguma popularidade entre os fãs do aracnídeo, deixaria de ser o vilão antítese do Homem-Aranha e passaria a ser uma espécie de anti-herói, daqueles que saem por aí matando geral como o Justiceiro, mas desta vez em São Francisco, já que o Homem-Aranha, perdoando as muitas chacinas do passado, disse que tudo bem, mas ali em Nova Iorque não.

E é uma adaptação BIZARRA dessa versão heroica do Venom que resolveram trazer aos cinemas e, em outra decisão ainda mais BIZARRA, decidiram também que Venom não faria parte do universo do Homem-Aranha. Isto, por si só, já faz com que o fã de quadrinhos em mim sue frio de vontade de sentar a porrada em quem tomou essas decisões. O Venom que eu conheço não existe sem o Homem-Aranha. Ele é um produto direto do teioso e sua razão de viver originalmente era justamente um certo recalque por ter sido rejeitado por Peter Parker. Aqui estamos diante de um filme no qual a palavra “aranha” deliberadamente não é mencionada em momento algum, numa clara tentativa de se pegar carona nessa onda de universos e criar o Venomverse, e largando um barro violento em cima de tudo que já está estabelecido sobre o personagem.

Este pecado mortal enquanto adaptação de HQs – e que faz com que as referências quadrinísticas se resumam a meros easter eggs aqui – poderia tranquilamente ser perdoado caso o filme enquanto peça cinematográfica se sustentasse sozinho. Mas está muito longe de ser o caso neste que é, na minha opinião fecal, o pior filme de quadrinhos desde a insuperável e fumegante pilha de bosta que é “Esquadrão Suicida”.

Temos um filme genérico até a medula, com uma direção que parece não existir e um roteiro que acerta unicamente na relação entre Venom e seu hospedeiro, o jornalista metidão e fodido Eddie Brock (Tom Hardy). Hardy, inegavelmente um dos melhores atores de sua geração (vejam “Locke“!!!!), e Michelle Williams, também ela uma das melhores atrizes de sua geração, são os verdadeiros heróis aqui, tentando (e fracassando na maior parte do tempo) passar por cima da falta de comando da direção e de conteúdo do roteiro.

Por outro lado, temos um outro ator excelente em Riz Ahmed, que aqui interpreta Carlton Drake um vilão apático, genérico, nada ameaçador e para o qual é difícil não cagar agressivamente. A impressão é a de que os produtores, dentre os quais se encontra o próprio Tom Hardy, jogaram um monte de ator bom junto e acharam que ia dar em alguma coisa.

Até no quesito técnico, que costuma carregar este tipo de obra, o filme fracassa. Além de ter cenas de ação que você vai ter certeza de já ter visto em algum lugar (justamente porque você já viu), ele conta com uma trilha sonora adquirida em um CD falsificado na Uruguaiana de tão destoante que é com as imagens mostradas. O desenho de som e a mixagem não ficam atrás, parecendo ter sido feitos em casa usando algum codec do Winamp. O som que o Venom faz quando se meve lembra apropriadamente o som de merda líquida sendo futucada dentro de uma privada, por exemplo.

Mesmo com tudo isso, aos meus olhos nada é mais imperdoável do que a completa descaracterização do personagem. De semelhante ao original temos apenas a boca grande e o tamanho descomunal. Agora ele é basicamente uma versão preta e sorridente do T-1000 do “Exterminador do Futuro 2”, usando seus membros para transpassar pessoas e afins. E isto tudo num filme de um ser assassino que arranca as cabeças das pessoas fora com uma dentada sem que uma gota de sangue apareça em momento algum.

Felizmente, nem tudo é assim tão lamentável. Há, sim, alguns momentos de brilhantismo nos diálogos havidos entre Venom e Brock, o que acaba fazendo com que o filme funcione involuntária e parcialmente como comédia. Para ser justo, até mesmo nos momentos em que a comédia não se sobressai, a relação dos dois permanece como o ponto alto de um filme que tem todo o seu resto como ponto baixo.

Caso você tome a equivocada decisão de ir ver Venom nos cinemas, não deixe de fazer um esforço sobre-humano e ficar para ver a verdadeiramente ridícula 1a cena pós-créditos com a participação de um Woody Harrelson cabeludo. Já a 2a cena pós-créditos consegue ser ainda mais ridícula, já que ela se trata, inacreditavelmente, de um trecho de outro filme e desta vez do Homem-Aranha, justamente o caralho do personagem que Venom faz um esforço absurdo para evitar a todo momento. Sim, leitor, eles arrumaram um jeito de meter uma caralha de um trailer também ao final do filme, aproveitando-se desta prática escrota de ficar metendo cena pós-créditos e sepultando com uma pá de cal lamentável a película.

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