Crítica: Wanderlust - 1ª Temporada

Relacionamento aberto é um conceito que ainda recebe muitas críticas e olhares tortos – e não serei hipócrita: também me causa estranheza. A ideia de partilhar uma pessoa com outras é inusitada em nossa sociedade ocidental, secularmente monogâmica, então é natural que grande parte das pessoas ache que não é possível que dê certo ou, ainda, que seja incorreto. No entanto, fazendo aqui o advogado do diabo, assumo que em teoria tem lá bons pontos favoráveis. Tirando o óbvio objetivo carnal que é extravasar desejos que, vamos lá, todos temos (compromissados ou não), parece-me ser de uma evolução fantástica um casal que não se deixa abalar pelas possíveis consequências de terceiros em sua relação – e não encara essas como consequências, mas como somas.

Em Wanderlust temos um casal incrível e seguro que decide que seu casamento não está falido por falta de amor ou cumplicidade mas, sim, por falta de sexo – e tudo bem. A partir disso, Joy (a brilhante Toni Collette) e Alan (Steven Mackintosh) abrem seu relacionamento e começam a ter aventuras sexuais, sem deixar nunca de serem honestos um com o outro. Deixo claro aqui que, assim como não podemos condenar o relacionamento aberto e dizer que é coisa do capeta, não podemos, também, idealizá-lo e romantizá-lo; o relacionamento de Joy e Alan é saudável e é por isso que tal mudança parece prosperar. O que me engajou na série é assistir essa troca cheia de confiança, amor genuíno e parceria entre os dois. Pois, ainda que de fato importante, sexo é só sexo.

Joy e Alan, casados há 20 anos, reclinam e contam sobre seu dia: desde problemas no trabalho à como foi o encontro com fulano e ciclano.

Pontuemos aqui algumas razões para ambos conseguirem dialogar tão bem assim. Joy é uma excelente terapeuta e carrega uma experiência com casais no divã que a permitiu observar a recorrente reclamação de falta de tesão, paixão e o que for. Ciente disso, e ciente também de que todo o resto no relacionamento com seu marido funciona, a iniciativa da mulher é coerente e, dentro de sua personalidade que divide espaço com a de uma terapeuta paciente e madura, essa troca dá certo. Reconheçamos também que Alan é um cara meio fora da curva, seja pela inacreditável educação inglesa em que é quase impossível ver alguém gritando quando tem uma discussão (na série, digo), seja porque está disposto a continuar um relacionamento com alguém que verdadeiramente ama.

Além do núcleo Joy-Alan, a série traz também histórias paralelas dos filhos e conhecidos do casal. Tom (Joe Hurst), o filho mais novo, passa por descobertas da puberdade. Naomi (Emma D’Arcy, lindíssima), tem uma queda pela amiga da mãe, vizinha da família. Finalmente, Laura (Celeste Dring), a filha mais velha, acaba se envolvendo com um dos pacientes da mãe, que era notório por ser incapaz de sair de uma vicioso ciclo de sexo casual (e tão somente isso).

Tom e sua BFF

As narrativas da série têm o sexo como tema em comum mas está longe de tratá-lo de maneira puramente erótica – apesar de ter tomadas sensuais e, honestamente, bastante excitantes -, trazendo momentos sensíveis e uma direção artística e delicada. Não se limita a tratar só do físico na medida em que engloba o sentimento de todos os personagens, afastando-se da ideia de hedonismos egoístas. E se for mais que sexo? E se alguém se apaixonar? E se desabrocha um amor? É possível amar mais que um?

Episódio após episódio somos questionados e levados a essas reflexões, que vão guiando o telespectador a querer saber o que acontecerá na vida de cada um dos personagens. Além da excelente abordagem, condução e meticulosa escolha no roteiro, a série conta com uma primorosa trilha sonora – nomes como Bill Withers, Cigarettes After Sex e Eurythmics -, além de descobertas acalmantes e que caem como uma luva na produção. E não poderia ser diferente: com co-produção das gigantes BBC e Netflix, unindo a elegância britânica com a fluidez da americana, a série acerta em cheio e cativa o telespectador.

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