Crítica: A Balada de Buster Scruggs (The Ballad of Buster Scruggs)

O velho oeste americano foi emoldurado no imaginário coletivo num espaço portentoso e quentinho, repleto de afagos e carinhos manufaturados na forma de obras primas. O western deixou faz muito de ser um particular olhar da última fronteira do Tio Sam para se converter em gênero universal, onde as linhas morais e sociais transbordam pelos restos mortais da selvageria que vai se dissolvendo no canto dos trens.  Talvez o gênero mais autêntico e fascinante da sétima arte, o western mesmo muito depois da sua era de ouro, continua a ser atemporal, algo que se pode perceber seja nas delicadas antigas películas de Sergio Leone, seja na moderna carnificina pueril de Tarantino.

A maioria dos filmes de Joel e Ethan Coen leva as tatuagens do western. Seja na perseguição fustigante de “Onde os Fracos Não Têm Vez”, no desamparo de “Fargo” ou mesmo no anti-western, denso e escuro de “Bravura Indômita”, estão todos envoltos pela mesma névoa de poeira e estranheza. A Balada de Buster Scruggs é de longe o título mais despretensioso da lista. Narrado de maneira episódica, literalmente um livro de contos, a obra vai se aventurando pelos diferentes tons do absurdo, até cessar no absurdo de nem sequer dizer a que veio.

As tramas são instigantes e, por seus seis contos, envolvem em meio a um cuidadoso suspense, um agridoce sangue e o absurdismo de pistoleiros cantantes, galinhas matemáticas e por aí vai. Todos vão cobrindo os olhos do espectador numa atenção meticulosa, ressaltada pela irreparável fotografia. A trilha sonora, sobretudo nos números musicais do primeiro conto, é pungente e reforça a despretensão. Todavia o Sísifo cowboy dos irmãos Coen nunca de fato se revela. Ele cisca, brinca, entretém, mas quando o último conto termina, o esquecimento se apodera das mais de duas horas de película.

O imponderável está lá e o velho oeste se comporta de forma exemplar como o tal universo privado de ilusões, onde a morte se encontra a cada esquina, assim como a violência e a esperança do dia a dia. No entanto, por mais que os contos se comportem de maneira autossuficiente, falta um elo comum entre eles, falta um significado que abarque narrativas polidas ao que parece em vão, perdidas, numa teia de aranha bordada sem muito motivo que parece querer mostrar que a vida é dura mesma e é isso aí.  Para isso basta olhar pela janela! Essa falta de esmero em costurar um sentido e fazer mais do que entreter, deixa o filme no fim com um ar de agridoce experimento em piloto automático. É impossível ignorar que se parece feito por fazer, com boas atuações, a habitual direção magistral, mas no fim um náufrago de substância. A ausência da experiência do cinema reforça esse tom de mais minissérie do que propriamente filme, de mais vontade de saciar a fome de conteúdo da Netflix, do que propriamente fazer arte.

Apesar de todo o burburinho da mídia e de festivais, apesar de seu inegável talento em entreter e divertir, a obra está muito mais destinada a mofar nos confins do catálogo do que propriamente integrar o panteão do bang-bang. Afinal, a pomposa Balada de Buster Scruggs nada mais é que uma inesquecível canção de botequim lá pelos restos mortais da madrugada, que naquele momento, travestida pelos sentidos dispersos e alterados, soa como a nona sinfonia, todavia no dia seguinte é muito pouco, ou mesmo nada.

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