Crítica: Cam
Um dos assuntos que tem ganhado cada vez mais lugar nas produções audiovisuais é o do universo digital se mesclando com o mundo real. Há menos de um mês contemplamos a vitória política para o mais alto posto do país, com uma campanha baseada majoritariamente nas redes sociais. Discussões inflamadas que se desenvolviam nas mesmas mídias, gerando brigas e exclusões de relações, que começavam no mundo virtual e tinham seu reflexo no universo de verdade. Não raro também assistimos a um desfile de vidas perfeitas com os posts seletivos de pessoas que, por vezes, tentam esconder seus vazios. Nessa mesma pegada, Cam investe nessa dicotomia para desenvolver sua história.
Alice (em excelente interpretação de Madeline Brewer) é uma garota que tenta ganhar a vida se exibindo por uma webcam. O maior objetivo dela é estar entre as 10 mais populares, o que é conseguido por quantidade de views por parte dos usuários. E quanto mais apelativo são seus shows, mas retorno ela consegue, subindo, dessa maneira, no ranking do site. Em retribuição por suas apresentações sempre muito sensuais e eróticas, os usuários dão uma espécie de dinheiro virtual para a conta de Alice, que cada vez mais tenta unir fãs em torno de seu canal. Mas quando sua popularidade começa a aumentar demais, ela tem seu login e senhas bloqueados da plataforma, ao passo em que seu canal continua a publicar ao vivo videos com ela mesma. Ou, na verdade, com alguém idêntico a ela.
A busca de Alice, agora, será por desvendar quem está por trás de sua imagem-cópia e de uma possível conspiração da rede em relação ao seu perfil. Desconfianças surgem a partir de rivalidades de outras mulheres cadastradas, que também disputam os primeiro lugares. A união desses dois universos, o real e o virtual, vai se fazendo cada vez mais concreta de modo a confundi-la em cada passo dado. As descobertas de Alice vão desvendando segredos jamais imaginados pela “inocente” garota, que só queria ter popularidade e dinheiro através de sua imagem de menina sedutora.
A crítica proposta pelo filme é marcante. As necessidades dos personagens de se tornarem algo que não são, de se assumirem personagens virtuais, como se aquilo fosse algo verdadeiro, de buscarem maior popularidade, de explorarem a sexualidade própria e dos outros são mais do que familiares a todos que estão conectados na rede. E a forma como a narrativa vai levando a personagem a um mergulho em paranoia, desespero e um flerte com a insanidade faz do filme uma bela expressão de como a personificação de perfis das mídias é colocada em graus maiores de importância do que a própria vida que, de fato, se sente.
A pegada independente desta produção interfere positivamente na construção da história, visto que trata de uma protagonista que começa dos poucos recursos que tem, tentando se tornar “grande” aos olhos cibernéticos que se propõem mais do que passageiros. De maneira muito acertada, o diretor Daniel Goldhaber (em sua estréia nos longa-metragens) consegue uma realização firme e forte a partir de um conto aparentemente simples, mas deveras necessário. Sua alegoria montada através dos personagens fictícios apresentados em nada se distancia da realidade a que estamos largados em cada instante dos nossos dias, que são marcados pelo som da notificação, como se um metrônomo insistente a marcar o ritmo das nossas vidas.
“Todos nós temos vidas secretas, em nossos quartos secretos / Vivendo em nossos filmes, cantarolando nossas próprias canções / Vivendo a vida na câmera, quando a noite se aproxima / Deslizando à escuridão, você poderia ser como eu” (Cyclops – Bruce Dickinson)
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