Crítica: Crônicas de Natal (The Christmas Chronicles)
Eu cresci com a imagem de Kurt Russel de uzi na mão, com um sorriso sarcástico, não apenas vencendo, mas escrotizando vilões a torto e a direito. Em “Os Aventureiros do Bairro Proibido” (homenageado em um Nostalgia nosso), Jack Burton é a versão anos 80 de Han Solo. Dirigindo um caminhão, atirando primeiro e perguntando depois, ficando com a mocinha no fim, mesmo ela sabendo que ele é um salafrário. Em “Fuga de Nova York” e depois de Los Angeles, Snake Plissken é o anti-herói que todo guri que escuta heavy metal admira: tosco, de poucas palavras, sem nenhum respeito pelo status quo. Estes filmes estão entre os meus clássicos absolutos da cinematografia mundial e recentemente Russel voltou a aparecer. Hollywood deve ter reconhecido a contribuição do veterano no imaginário popular e o escalou no papel de Ego, o pai de Peter Quill em “Os Guardiões da Galaxia Vol 2“. Da mesma forma que apenas James Bond (Sean Connery) poderia ser o pai de Indiana Jones, quem mais poderia ser o pai de Star Lord além de Snake Plissken?
Então qual poderia ter sido a minha reação em saber que o ator faria o papel de Papai Noel em Crônicas de Natal para a Netflix além de pensar: “Que foda!” Russel provavelmente daria uma pegada mais crua, mais tosca para o Bom Velhinho, trazendo-o para 2018 e tornando-o “cool” novamente aos olhos da gurizada acostumada a ver tosquerice em séries, filmes e jogos de videogame.
E é precisamente isso que aparece na tela. Papai “Russel” Noel tem um jeitão direto, objetivo, meio tosco, como um caminhoneiro que carrega brinquedos pras crianças. Ele veste um sobretudo vermelho de couro, ostenta uma farta cabeleira branca e uma barba digna de aparecer como garoto propaganda de alguma barbearia muderninha que serve canecas de chopp, toca blues e atende num salão com paredes pretas. Ele frisa que odeia a imagem de velhinho barrigudo que a Coca Cola popularizou e se recusa a dizer Ho-Ho-Ho! As renas, o trenó, a “magia” do Natal são explorados de uma maneira criativa e bem atual, fazendo bom uso dos obrigatórios efeitos de computação.
Se o filme seguisse esse caminho e não pegasse nenhum atalho caça-níquel, seria um puta filmaço de natal pros coroas que viveram os anos 80 assistirem com seus netos. Mas….
O enredo é legal. Teddy e Kate são dois moleques bonzinhos que recentemente perderam o pai – um bombeiro – e tentam lidar com o primeiro Natal sem ele. Teddy, já em fins da sua adolescência, virou um daqueles revoltadinhos, que anda com os guris “barra pesada” da escola, bebe, rouba carros e deve usar “tóxicos” (apesar de a Netflix não entrar nesse mérito). Ele é um personagem deliberadamente chato, perfeito pra contrastar com Kate, que aos 11 anos ainda acredita em Papai Noel e quer viver um último Feliz Natal antes de ser forçada a se tornar aborrecente. A mãe, uma enfermeira que, num cúmulo de falta de sensibilidade, aceita um plantão na noite do primeiro Natal que os filhos passarão sem o pai (entende-se por que Teddy tá revoltado… sempre culpa de adultos ausentes de merda) larga os filhos em casa, brigando como cães e gatos, até que, com uma chantagem, Kate convence Teddy a tentar filmar Papai Noel descendo pela chaminé, como se nunca ninguém tivesse tentado fazer isso. Mas, é claro, eles conseguem. Não apenas isso, Kate cisma de entrar no trenó e acaba causando um acidente que força Papai Noel e os dois irmãos a viverem uma noite de aventuras atravessando Chicago para tentar recuperar o saco de presentes.
Bem aos estilo filmes infantis dos anos 80, a película tem todo tipo de situação estapafúrdia: Teddy rouba um carro pra ajudar o grupo a salvar o Natal, Papai Noel vai parar no xilindró (onde canta um Blues-de-Natal no estilo Brian Setzer com uma banda formada por ladrões, bebuns e prostitutas nos backing vocals… divertido mas absolutamente sem nenhuma conexão com o resto do filme) e Kate vai parar no Polo Norte onde conhece os elfos que são na verdade uma cruza estranha dos Smurfs com os Furbies (numa tentativa meio vergonhosa de vender bonequinhos talvez?) que sequer são coerentes com a identidade visual do resto do filme e que transformam o que poderia ter sido uma história de Natal badass em caça níquel pra criançada.
O fim tem uma mensagem bonitinha, bem como se espera de filmes de Natal, e se encerra de um jeito agradável mas com o gostinho de que poderiam ter deixado Kurt conduzir o filme sozinho na companhia de crianças gostáveis e salvar o Natal (e o mundo) da destruição.
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