Crítica: House of Cards - 6a Temporada
Com um total de 73 episódios, House of Cards chega ao seu final. Ela foi a responsável por alçar o nome da NETFLIX como uma competente produtora de conteúdo 6 anos atrás, quando olhávamos para a plataforma de streaming apenas como um depositário de filmes antigos. Além de aclamada pela crítica (figurando em nosso Top 10 – Melhores Séries do Século XXI), ela também recebeu inúmeras indicações e ganhou importantes premiações para a TV, sendo uma das representantes mais prestigiadas nessa era de ouro que vivemos em séries televisivas.
Você lembra da expectativa que você sentiu com o último ano de “Breaking Bad” (veja nosso Assista!) ou que sente esperando Game of Thrones (confira os 10 Melhores Momentos da 7a Temporada)? Eram/são séries que chegavam ao seu fim no auge de suas vidas. Infelizmente, esse não é o caso aqui. Mesmo tecnicamente espetacular, contando com um elenco de pedigree, House of Cards era – e perceba a importância desse verbo no passado – atual e necessária, tendo em vista o cenário político global, especialmente o dos EUA. Contudo, desde que Francis Underwood (Kevin Spacey) chegou à presidência, tivemos tramas em torno do seu apego ao poder que foram inventivas (no mau sentido) e muito fora da realidade, causando cansaço e afastando parte do público que costumava acompanhá-la com ardor. A 4a e a 5a temporadas já davam sinais que a série precisava acabar e o escândalo envolvendo Kevin Spacey foi o último prego nesse caixão.
Começamos alguns dias depois da morte de Francis, com Claire Underwood (Robin Wright) – que era vice do marido – assumindo a presidência em meio a uma crise na Síria com os russos. Vemos dessa vez dois núcleos em rota de colisão motivados por pautas distintas. Uma delas é a questão feminista, que toma centro com a presidenta buscando se afastar do legado e do nome do marido e legitimar seu mandato. A outra é a questão neoliberal, que aparece com novos jogadores, a família Shepherd, e alguns antigos que se repaginaram para essa temporada, como o ex porta-voz da Casa Branca, Seth (Derek Cecil), e Mark (Campbell Scott), ex-coordenador de campanha do rival de Francis e que agora é vice-presidente, na saga de ter uma lei aprovada que diminui consideravelmente o poder do Estado perante a inciativa privada.
Paralelamente temos o cerco investigativo se fechando em torno dos assassinatos que os Underwoods cometeram ao longo do caminho – e que não foram poucos – na incrível atuação de Boris McGiver interpretando Tom Hammerschmidt, o editor-chefe do Washington Herald, protagonizando excelentes cenas conforme se aproxima cada vez mais da verdade e com um desfecho digno para uma empreitada contra gigantes.
Disputando com Tom em termos de intensidade, o presidente russo Petrov (Lars Mikkelsen) – que infelizmente aparece pouco – continua sendo um dos personagens mais interessantes da série. Todos os seus momentos em tela despertam tensão, mostrando que a Rússia – assim como na realidade – não abre mão da sua área de influência e nunca retrocede. Nessa temporada, a duplinha Seth e Doug (Michael Kelly) tem uma dinâmica dúbia do início ao fim, passando e repassando informações para todos os lados, terminando cada episódio em situação de conflito com algum núcleo. Ao mesmo tempo que eram vitais, eles também apresentavam uma ameaça. Essa dinâmica enriqueceu a trama e foi, até certo ponto, a força motriz da série. Embora eu lamente o destino de Doug, há de se fazer justiça ao trabalho espetacular de Michael Kelly como um dos melhores personagens de toda a obra.
Podemos dividir os 8 episódios em duas partes bem distintas, como numa luta de boxe. Na 1a parte, que levou 80% do total, tivemos os núcleos trocando uns jabs, conhecendo seu adversário na luta, eventualmente acertando um golpe mais pesado que fazia o oponente balançar, mas que voltava à postura defensiva rapidamente. Os Shepherds e Claire ficaram numa punhetação de jogar trunfos em cima do outro de tal forma – escavando eventos desconhecidos para gente e resgatando outros desde a 1a temporada – que eu já não sabia mais quem tinha feito o que, dada a quantidade de personagens secundários – e importantes – que a série possui e que são referenciados pelo nome sem qualquer contextualização. Eu reconhecia o nome, mas não lembrava o que tinha feito ou quem era, tendo que recorrer ao IMDB para refrescar minha memória. Considerando que foram 65 episódios até o início da 6a temporada, lembrar com detalhes de mais de 15 eventos que tomaram 6 anos é pedir um pouco demais.
Os outros 20% já era aquela troca de golpes selvagem, no qual ninguém mais está preocupado em se defender, apenas derrubar o adversário. Foi uma sucessão de merdas sendo jogadas no ventilador num ritmo alucinante. Em menos de 2 episódios quase todos os personagens tiveram desfecho, muitos vitimas da troca de golpes entre Claire e os Shepherds, e deu a impressão que estávamos em toque de caixa. Foram os melhores momentos da temporada, sem dúvida, mas ainda assim foi descompassado e não tão satisfatório no que tange a importância de certos personagens.
Talvez, o que mais tenha pesado para essa fraca temporada tenha sido a falta de Kevin Spacey. Escândalos à parte, ele entregava um personagem que amávamos odiar e por quem sempre torcíamos contra seus adversários, mesmo sabendo que ele era um tremendo de um filha da puta. Esse carisma transbordava quando ele conversava com a câmera. Com ela ele era honesto, sincero e, até certo ponto, dava vazão a certas opiniões sobre o sistema político e caráter das pessoas com as quais nos identificamos. No geral, você sentia empatia pelo Francis. Porém, quando Claire fala conosco – com bem disse uma amiga minha fazendo fofoca sobre outra – “ela só abre a boca para tentar lacrar”. Não há um diálogo ou exposição de sentimentos ou vulnerabilidade. Ela só larga aquela frase lacradora que geralmente é irônica ou possui um tom condescendente.
O final de House of Cards foi mais uma eutanásia para algo que vinha definhando do que um júbilo. Mesmo com tantos problemas dentro e fora das telas, número reduzido de episódios e com um desfecho corrido e com fillers, mostrando um timing errático, ainda tivemos a sorte de ver como tudo acabou e por isso sou grato aos produtores e à NETFLIX. Kevin não matou apenas a sua carreira, mas levou com ele uma obra que era sinônimo da sua competência como ator.
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