Crítica: Legítimo Rei (Outlaw King)

Em épocas de fragmentação política e radicalismos sociais; em um contexto pós-BREXIT e com falas cada vez mais acentuadas do Partido Nacional Escocês (partido da primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon) acerca de um novo referendo de separação da Escócia em relação ao Reino Unido; a nova produção Legítimo Rei volta alguns séculos para tratar deste tema tão rico ao povo de lá. Dirigido pelo conterrâneo David Mackenzie (mais conhecido pela excelente obra indicada ao Oscar, “A Qualquer Custo”), o filme faz justiça histórica à figura de Robert the Bruce, transformado em vilão no lindo “Coração Valente” de Mel Gibson.

A suposta vilania de sua figura é abordada em outra perspectiva logo na primeira cena, que conta com um plano sequência longo, no intuito de ilustrar as idas-e-vindas daquelas terras em busca de autonomia. Robert the Bruce (em um estranhíssimo casting pelo super-americano com cara de Ken da Barbie Chris Pine) jura lealdade ao rei inglês Eduardo I (muito bem por Stephen Dillane), com pleno desgosto expresso em suas feições. O conflito pela coroa escocesa fizera a Inglaterra intermediar o problema e se declarar, uma vez mais, possuidora daquelas partes. Objetivando evitar um sufocamento por parte do poderoso exército inglês, os nobres escoceses optam pela subserviência à Eduardo, enquanto o rebelde William Wallace (figura central do já citado “Coração Valente”) anda escondido devido às perseguições. Mas o que parecia a conquista de um clima de paz, mesmo que a contragosto, resulta em furor social quando pedaços do corpo de Wallace são expostos à população. Vislumbrando a chama revolucionária presente em seus iguais, Robert the Bruce ignora o juramento e parte para uma jornada em busca de liberdade.

Escoceses unidos.

As alianças com as outras famílias nobres locais e a formação de um exército muito aquém em número se comparado ao inglês são lideradas por Robert para buscar a tão desejada independência. Essa vontade por liberdade jamais foi esquecida e o conto passado no século 14 retrata os anseios de uma população do século 21. Se no referendo de 2014 votaram pela permanência, pois a participação na União Européia falara mais alto; em 2018, pós-BREXIT, a estratégia se faz obsoleta. Antigas vontades retornam com peso e, de uma maneira diferente, as mesmas convicções são colocadas em prática. Acima de qualquer outra temática, David Mackenzie explora o que de mais admirável há no homem: o respeito às suas convicções. E nisso os escoceses parecem ser exemplo inabalável a seguir.

Muito embora as sequências sigam com diversas batalhas no melhor estilo David e Golias, fazendo-nos ter a real esperança de que grupos menores podem, sim, mudar os rumos da História (que isso sirva de lição aqui também, pois este momento chegará para os brasileiros – pena que estes não têm uma gota da força dos escoceses), o roteiro cai em antigos estereótipos mesclando personas exploradas por outros clássicos de espadas e armaduras. A relação entre o rei Eduardo e seu filho é muito semelhante à construção de Commodus e seu pai em “Gladiador”, com a diferença que Eduardo é bem escroto em comparação ao velho romano. O filho, que se apresenta como principal antagonista pessoal de Robert, é ambicioso e subestimado, necessitando, a todo instante, de se mostrar forte e conquistador. Por outro lado, o agradável – aos olhos da opinião escocesa sobre o filme – Chris Pine na pele de the Bruce age muito mais como representante de um povo do que de seus valores mais pessoais. “Eu sou o rei dos escoceses e não o rei dessas terras”, brada o líder que lutara lado a lado com os demais soldados. E se o povo não o quer, nada ele é. Mas o que os uniu foi, mais do que qualquer título ou vontades individuais, o desejo pela liberdade.

Gerações e séculos e uma só convicção.

Legítimo Rei tem sua importância não só pela supracitada “justiça histórica” em relação à figura do importante rei escocês, mas sobretudo pelo momento vivido pela Escócia e pelo mundo. Em épocas em que valores individuais vão sendo colocados acima das vontades sociais, massacrando grupos minoritários e suas identidades específicas, a obra de David Mackenzie me faz revisitar uma frase que costumo repetir de tempos em tempos: “poucas são as coisas que eu admiro mais em uma pessoa do que o respeito às suas convicções”. E, acima de tudo, este filme é uma ode à inabalável convicção de um povo que não cansa, nem fraqueja. Mas que atravessa séculos com a mesma e velha vontade de potência.

“A Fortuna favorece os destemidos” (Virgílio).

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