Crítica: ReMastered: Nixon e o Homem de Preto
O momento não poderia ser mais oportuno para o lançamento desse segundo episódio da série documental ReMastered, novidade da Netflix para esse fim de ano. Nos Estados Unidos de fins dos anos 60, com guerra do Vietnã e lutas por direitos civis nas ruas e universidades americanas, o presidente Richard Nixon se vale da “Southern Strategy”, uma estratégia política focada no americano conservador de classe média que busca exaltar valores tradicionais americanos – igreja, emprego, acesso a bens de consumo, direito ao porte de armas – para fazer desacreditar a suposta minoria que lutava por mudanças no país. É cunhado o termo “Silent Majority” – ou A Maioria Silenciosa – para representar aquele americano que não vai às ruas protestar mas que também precisa ter seus direitos defendidos.
O sulista é eleito como simbolo de tal maioria e toda a campanha de Nixon para a eleição presidencial se utiliza da música Country e de uma imagem sulista para atrair eleitores. Nixon é eleito, como conta a História, herda toda a crise política e cultural que já havia se estabelecido no país e ajuda a alargar a fenda que existe entre o americano conservador que apoiava o combate ao comunismo no Vietnã e a supressão dos protestos civis e os jovens liberais que exigiam a retirada das tropas americanas de solo estrangeiro e criticavam duramente a política vigente.
O documentário Nixon e o Homem de Preto (“Tricky Dick and The Man in Black” no original – sendo “Tricky” a palavra em inglês para Traiçoeiro e Dick… humm… pois é, o título original tem um trocadilho – e uma mensagem – bem mais interessante que a tradução bem comportada para o português, como de costume) expõe os eventos que rodearam a apresentação do cantor de Country Music Johnny Cash – conhecido como O Homem de Preto – na Casa Branca em abril de 1970 e que, coincidentemente ou não, ajudou a pavimentar o caminho que levariam à renúncia de Nixon e à retirada das tropas americanas do Vietnam.
O filme se utiliza de imagens de arquivo e de entrevistas com personalidades ligadas tanto à administração Nixon quanto à Cash – sua esposa, filho e membros de sua banda – para traçar um perfil bastante rico de ambos os personagens e guiar o espectador numa viagem no tempo. Viagem essa que nos ajuda a entender de maneira mais rica tanto aquele momento histórico quanto o homem que foi Johnny Cash. E ao traçar o perfil do cantor – este sempre visto ao mesmo tempo como um indiscutível patriota americano e um ardoroso defensor dos direitos daqueles fadados a só se fuderem na vida – temos uma imagem que pra nós – ou, ao menos pra mim – é bastante peculiar: a do engajado sem inclinações partidárias. Para Cash, a América e o Americano deveriam ser o centro de todos os esforços e todas as discussões, não esse ou aquele lado e rever tal ideia num mundo (e num país) cada vez mais polarizado e cada vez mais focado em cores-de-camisa e torcidas organizadas e seus times me deu uma sensação agradável de que talvez o papel do artista – do Bom Artista – seja o de se manifestar não contra isso ou aquilo, mas em defesa da verdade e da voz do povo. De todo o povo, sem distinção e sem medos.
Fica minha dica para um bom documentário – eu que sou um sucker por documentários – uma série que promete continuar sendo interessantíssima e, em especial, meu crescente respeito por Johnny Cash, um artista memorável e um homem falho, mas sempre honesto sobre suas falhas e sempre disposto a se entregar e se arriscar pelo que acreditava, sem que, com isso, alienasse esse ou aquele grupo. Um feito que, em si, já merece meu respeito.
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