Crítica: She-Ra e as Princesas do Poder (She-Ra and the Princesses of Power)

Foi com muita alegria que assisti a essa repaginada no clássico desenho animado dos anos 80: “She-Ra: A Princesa do Poder”. Poucos relançamentos desse tipo me agradaram tanto e quero começar esse texto com a afirmação bombástica: essa versão ficou melhor que a anterior. E faço tal afirmação deixando bem claro que eu cresci naquela época, eu vi o He-Man e She-Ra (e Thundercats e Transformers…) zilhões de vezes. Eu sabia onde estava o Geninho em cada um dos episódios, então sinto-me com autoridade o bastante pra defender minha opinião contra qualquer purista cheio de saudade do Xou da Xuxa. She-Ra e as Princesas do Poder, lançado esse terça-feira na Netflix já começa acertando pela discreta mudança no nome: “As Princesas”, no plural vs “A Princesa”, no singular.

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No desenho original encontramos She-Ra como o alter-ego da ex-capitã Adora (a irmã do He-Man) que desertou sua posição no exercito da Horda pra se juntar à rebelião e lutar pelos fracos e oprimidos após encontrar uma espada mágica. Seguindo a linha do próprio He-Man, apesar de haverem vários outros guerreiros e guerreiras combatendo as forças do mal, no fim das contas só She-Ra poderá salvar o dia. Os tempos mudaram e no mundo de hoje fica difícil engolir a ideia de que alguém seja capaz de resolver tudo sozinho e a nova série corrige esse ponto, dando força e voz para várias princesas com poderes mágicos, todas elas protegendo seus reinos da expansão maligna de Hordak, mas divididas há anos após os esforços da rebelião serem frustrados em uma fatídica batalha. She-Ra surge como a salvadora da pátria, mas fica claro desde o início que a jovem Adora (aqui mostrada como uma adolescente insegura descobrindo seu lugar no mundo), apesar de todos os seus super-poderes, não está pronta para assumir tal responsabilidade e firma-se como uma fonte de inspiração para a unificação das forças rebeldes.

Essa discreta mudança, em tempos de empoderamento feminino, permite que a espectadora – cada uma delas em sua própria casa – entenda que ela não deve esperar por alguém que a salve e sim lute ela mesma por sua liberdade. Mas as mudanças positivas na série não param por aí. A nova Etéria – planeta onde a história se passa – apresenta uma diversidade racial, social e cultural que segue os tempos atuais. Tanto She-Ra quanto sua versão humana – Adora – são descritas como guerreiras, lutadoras, atletas e, como tal, curvas voluptuosas são substituídas por uma figura mais esbelta e atlética. Mais condizente com alguém que acorda todo dia fazendo flexões de braço.

She-Ra and the Princesses of Power (2018)

A nova versão de Cintilante é aquela amiga fofa e gorduchinha de cabelo roxo, que se sente inadequada sob a sombra de sua mãe, a poderosa rainha Angella, e luta para provar o seu valor para a Rebelião. Serena é visivelmente indiana, com pele cor-de-oliva e um discreto sotaque na versão em inglês. Arqueiro, no original um camarada musculoso, branco, de cabelo claro e com um bigode digno de garantir sua participação num revival do Village People, aqui aparece como um adolescente afro-descendente, corajoso mas nunca confiando em seus músculos para tirar-lhe de enrascadas. Como o personagem original, sua sexualidade não é claramente definida, mas na versão 2018 o “crop top” branco e dourado com o tradicional coração vermelho no peito, a maneira grudenta como ele se comporta perto de Seahawk e, em especial, o comentário decepcionado no primeiro capítulo de que “aqui todas são princesas, menos eu”, insinua-se discretamente que ele goste de meninos. De meninas também, como disse Renato Russo, mas de meninos. A representação da pluralidade sexual também aparece, apesar de discretamente, quando comenta-se com naturalidade que a princesa Abelhinha está namorando com a princesa Pavão Azul, ou quando Felina vai ao baile usando terno e gravata como par de Scorpia.

She-Ra and the Princesses of Power (2018)

O traço modernizado do desenho – que lembra bastante o quadrinho Scott Pilgrim – coloca a série para dialogar com o que a Cartoon Network tem apresentado recentemente. Os cenários são belíssimos e visualmente toda a produção está de parabéns. Figurinos também foram redesenhadas e a abundância de seios, decotes, roupas curtas e apertadas e saltos altos que fariam qualquer boate em Vegas ficar envergonhada foram substituídas por vestimentas mais apropriadas para a faixa etária do programa. O decote, a mini-saia de cheerleader e a bota dourada da própria She-Ra somem e em seu lugar fica uma roupinha bonitinha, com uma gola tartaruga, uma bermudinha comportada por baixo da saia e uma botinha sem salto pra ela poder correr livremente.

She-Ra and the Princesses of Power (2018)

Mas não só a imagem e o discurso foram modernizados. A história em si está muito mais coerente. Aqui acompanhamos todo o processo que levou a Adora a se tornar She-Ra, como suas amizades são formadas, como seu passado pesa em suas decisões. Na versão da Netflix, Hordak é um vilão muito mais misterioso e assustador, e a Horda um perigo muito mais real. Todos os personagens são mais interessantes e cada um dos episódios traz um sabor novo para a mesa. Alguns em particular, como o excelente sexto episódio, fogem da aventura leve e do humor adolescente para oferecer elementos de suspense visivelmente inspirados em filmes de terror dos anos 80 (e em uma famosa série da AMC, agora em sua nona temporada). Minha única crítica fica pra trilha sonora chatinha e genérica, com uma canção de abertura que parece versão B de algum hino de “yes we can” da Katy Perry.

Por sua atualidade, sua coerência com a linguagem e com os temas apresentadas a seu público alvo, e, em especial, por ter divertido esse camarada durante os seus 13 episódios de menos de 30 minutos cada (meu novo formato preferido), She-Ra entra para a minha lista de melhores do ano.

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