Crítica: Tempo Compartilhado (Tiempo Compartido)

Apesar de saber mais ou menos qual é o conceito de time share, o tal tempo compartilhado do título em português, eu tenho a sorte de ser primo e amigo-irmão de um dos mais conceituados advogados de direito imobiliário do país. Segundo o Dr. Raphael Moreira (te amo, ducho!), “time share é um sistema de vacations club onde o hóspede ganha o direito de usar determinada semana por ano em determinado hotel, por vezes o hóspede compra a propriedade de parte do imóvel que lhe dá direito de usá-lo plenamente durante determinada semana do ano.” Traduzindo, é o tal clube de férias do qual qualquer sujeito da classe média brasileira já se sentiu tentado a fazer parte com suas promessas do paraíso, de uma a duas semanas por ano, mediante o pagamento de uma módica quantia. Eu mesmo quase entrei pra um desses quando me deram um cupom de desconto de 90% no Champion.

Saber o que é esse conceito é fundamental para compreender a maior de todas as inúmeras alegorias expostas no nada menos que brilhante roteiro assinado pelo diretor Sebastian Hofmann e Julio Chavezmontes. Partindo das férias de um casal em um resort desses e do escrutínio da vida de outro casal que trabalha no tal resort, Hofmann monta uma narrativa com uma mordaz crítica social à banalização do nosso conceito de família, à necessidade humana de se agrupar como em uma manada e à opressiva e lavadora de cérebros cultura capitalista-corporativa, à qual, justamente pela necessidade humana de se agrupar em manadas e tentar corresponder às expectativas da sociedade, nós nos entregamos de bom grado.

Pedro (em inspirada interpretação do comediante Luis Gerardo Mendéz) leva sua esposa e filho ao Everfields Resort. Lá chegando, ele descobre que o resort, por causa do tal do time share reservou a mesma casa onde ele vai ficar para outra família, chefiada pelo farofeiro-mor Abel (muito bem por Andrés Almeida). No outro núcleo, o funcionário Andrés (perfeito por Miguel Rodarte) vive sua vida de abelha operária dentro da gigante estrutura do hotel enquanto se digladia com toda a opressão que trabalhar lá lhe causa, ainda que ele mesmo não se dê conta disso, ao mesmo tempo que sua esposa, Gloria (Montserrat Marañon), se entrega de corpo e alma para aquela máquina.

É se valendo do sentimento de impotência e desespero que toma conta de Pedro por não ser mais um daquela manada, enquanto observa sua esposa e filho intencionando fazer parte dela, e da sensação sufocante de simplesmente ser Andrés, alguém que sofreu uma ruptura que o levou de um daqueles animadores sempre super felizes desses resorts a um mero invólucro em forma de gente, que Hofmann acerta em cheio em sua crítica, fazendo deste filme uma quase ficção científica sobre uma sociedade distópica, ainda que ele seja totalmente calcado na realidade e no presente.

Os aspectos técnicos não ficam atrás, com destaque para a tomada inicial de Andrés em um lugar estéril, horrível e, mais uma vez, opressivo, um aposento que é difícil de identificar o que é até que a entrada de outras pessoas nele revela que é somente um corredor de serviço do hotel, uma criatura em forma de pirâmide asteca cujas entranhas são sombrias e podres, mas que vende uma imagem de paraíso em seu lado de fora. Sua presença opressiva (desculpem o uso incessante dessa palavra, mas é a que melhor cabe) se faz evidente a cada momento, minando pouco a pouco a alma dos dois protagonistas. Trata-se de uma cinematografia sem grandes arroubos de virtuosismo ou aquelas tomadas gigantes que o povo adora, mas que conta a história por si só e com extrema competência.

Na mesma esteira vai a trilha sonora que, como tem que ser, auxilia bastante a sensação de esmagamento e desespero que ambos (e nós) sentem durante toda a exibição, mais uma vez trazendo aquela vibe de filme sobre distopia que vai ficando cada vez mais evidente com o avançar dos minutos.

Hofmann nos apresenta um filme que parece começar como uma comediazinha familiar como muitas, mas que rapidamente se torna uma alegoria distópica dolorosamente próxima da própria realidade em que vivemos, caminhando ainda pelo terror psicológico da paranoia e do desespero de seus protagonistas com sua crítica inteligente, pertinente e atemporal. Sobra até mesmo, em mais um dos muitos subtextos, para os efeitos do imperialismo norte-americano no México.

Trata-se de uma obra que atira para muitos lados e acerta em quase todos os seus alvos. Uma pequena e autoral joia, bem representativa desta nova onda de cineastas mexicanos que vão bem além dos retratos já conhecidos e esperados de sempre.

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