Crítica: Tiger
Já se vão dez anos desde que o inigualável Darren Aronofsky (presente em nosso Top 10 – Melhores Diretores em Atividade) lançou aquela que, dentre todos os filmes fantásticos que fez, ainda é a sua obra-prima: O Lutador, filme a respeito do qual eu mesmo fiz um Assista! aqui no site já há algum tempo. Nele, Aronofsky dá a Mickey Rourke um dos mais espetaculares presentes que um diretor já deu a um ator, valendo-se de toda a trajetória de Rourke enquanto ator e ser humano para apresentar uma metalinguagem certeira entre realidade e ficção na história de Randy “O Carneiro” Robinson. Não foi à toa que ele ganhou o Oscar de melhor ator por aquele papel.
E isto é ressaltado aqui porque a mesma metalinguagem foi intentada novamente com o papel de Rourke e é quase que somente nela que o longa tem algum acerto, porque, por pior que sejam todos os seus demais elementos, Tiger tem em seu elenco um ator monstruoso, com um histórico de vida inacreditável e um rosto que carrega indelevelmente todas as suas escolhas, em especial os litros e litros de botox e as milhões de plásticas que ele obviamente fez naquela fuça que se tornou assustadora. A importância de Rourke – que foi boxer profissional na década de 80 e é um entusiasta famoso das lutas em geral – para os realizadores do filme é tamanha que ao personagem dele, um treinador de boxe ex-pugilista das antigas, foi permitido andar por aí com um cachorrinhos desses de dondoca a tiracolo e ter um cabelo platinado destoante de um cara desse tipo, mas que fazem já há bastante tempo o estilo bem bizarro de Mickey.
O longa, contudo, conta a história de Pardeep Nagra, um pugilista amador canadense que, no final da década de 90, viu seus sonhos de competir pela Comissão de Boxe do Canadá desmoronarem quando o impediram de lutar por causa de sua barba muito grande. Pardeep é sikh e para esta religião, deixar os cabelos do corpo crescer naturalmente é um importantíssimo signo de respeito à perfeição da criação de deus, tornando suas barbas e cabelos sagrados, mas conflitando com as regras vigentes da Comissão. Ele então, apaixonado pelo boxe e muito envolvido em questões de direitos humanos discriminatórias contra sua religião, lutou e venceu esta proibição legalmente, de modo que, pelo menos no Canadá, não há mais esta objeção e ele pode competir, embora nunca tenha chegado a ir muito longe.
Uma história de superação e coragem, que levou um homem a lutar contra tudo e todos, em uma época em que a pauta da inclusão social estava longe de ter a mesma força de hoje, para conseguir seguir suas convicções e ideais. Este é um tema que já deu ao mundo obras de qualidade inegável, como o próprio “O Lutador” já citado, mas que aqui se perde em um roteiro bobo, com diálogos pueris e em atuações que beiram a novela mexicana, à exceção de Rourke e da família de Pardeep, aqui interpretado também pelo roteirista Prem Singh.
Para começo de conversa, inexplicavelmente o filme é passado nos EUA, mais precisamente em Ohio. Mais inexplicável ainda é que resolveram fazer um filme passado em 1999 com gente andando por aí com smartphones e afins. Não faço ideia de que tipo de dificuldade teriam em localizar o filme na província de Ontário no Canadá, de onde o cara é originalmente, e tampouco porque não localizar o filme corretamente no tempo, em especial quando se trata de uma história real afirmada como tanto logo no começo. Mais irritante ainda é que fazem desta falaciosa nacionalidade americana de Pardeep um ponto fundamental da força que o levou a travar esta batalha.
Além dessas coisas, temos várias forçações de barra para desenvolver o personagem de Pardeep como um americano e que, como todo bom americano, luta pelo que quer conquistar (muito embora ele não seja americano!!!). Por sua vez, as próprias cenas de boxe também deixam muito a desejar, com Pardeep vencendo uma luta com um superman punch, coisa que sequer é legal no boxe amador e, ainda que fosse, raramente seria usada diante de sua ineficácia em qualquer modalidade que não alguma que permita o uso de chutes.
A obra ainda aposta num melodrama pontuado por uma trilha sonora constrangedora e atuações em geral pavorosas, caindo como vítima derradeira de suas escolhas equivocadas em um filme que tenta dar uma importância muito maior a um lutador que, até onde se sabe, nunca teve resultados expressivos, sendo relevante tão somente pelo seu ativismo que, por si só, poderia ter sido o tema nodal de um filme interessante, mas que acaba não sendo o caso aqui.
Caso vocês queiram ver um filme com gente da Índia e com essa mesma pegada da superação e obstinação, sinto-me obrigado a indicar o fantástico “Dangal”, apresentado por nós em nosso Garimpo Netflix: Esportes! há alguns meses.
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