Crítica: Bird Box

No ano de 2008, M. Night Shyamalan fez o fraquíssimo “Fim dos Tempos” cuja sinopse se resumia a tentativa de sobrevivência de um grupo em meio a uma espécie de praga que despertava nas pessoas o desejo de atentar contra a própria vida. Basicamente com a mesma trama, ontem a Netflix lançou Bird Box, mas com um resultado muito mais interessante do que o do mestre indiano.

Malorie (por Sandra Bullock que, quando tem a responsabilidade de levar um filme sério nas costas, consegue segurar o rojão) é uma mulher solteira e grávida, que não nutre o suposto sentimento incondicional de mãe. Durante este conflito interior, o mundo começa a testemunhar dezenas de milhares de pessoas tirando a própria vida, aparentemente do nada. Mais tarde, descobre-se que uma espécie de presença promove isso àquele que a contempla. Dessa forma, sobreviver só é possível em locais fechados ou com olhos vendados se em lugares abertos. Isso para a maioria das pessoas.

O caos nas ruas: nada diferente do que ligar a televisão agora.

A diretora Susanne Bier vai descrevendo, a partir desse conto, um universo apocalíptico em que todas as relações sociais começam a ruir. Unido a isso, uma pitada de “Ensaio sobre a Cegueira” vai tirando dos personagens um dos principais sentidos dificultando o primário instinto animal: sobreviver. O que se segue, na maior parte do filme, não é muito diferente do que já foi visto em diversos outros títulos de discussão semelhante: conseguir comida, racionar, arrumar um grupo para se proteger, procurar uma base onde os traços mais básicos da civilização parece ter se mantido, já que nas ruas é cada um por si e o lado obscuro da humanidade vai se fazendo cada vez mais presente junto dessa presença misteriosa que otimiza essa característica.

Isso não significa, porém, que Bird Box se resuma a mais um do mesmo. Dentre essas várias obras, as quais poderíamos passar a tarde listando, muitas mantém sua força até hoje. E não é diferente com este filme. As sequências de tensão, que não param por um instante sequer, são definitivamente firmes em sua proposta narrativa e a protagonista é um personagem que se destaca em meio aos acontecimentos da história. A dicotomia que carrega dentro de si fala mais alto e torna a produção um tanto mais profunda, focando nas relações pessoais e nos construtos sentimentais mais do que em meras cenas de fuga e suspense.

O ato sóbrio de cada dia: chegar no próximo.

Uma ilustração bastante delicada e sensível sobre a condição humana, Bird Box consegue, em suas pouco mais de 2 horas de filme, tocar no âmago do que é a vida cotidiana de cada um de nós. Quando, durante todo o sacrifício para passar por mais um dia, Malorie, saindo de prisão em prisão imposta por sua luta instintiva diária, vê pássaros tranquilos em uma gaiola a cantarolar sons livres, se pergunta com um sorriso nos lábios: “como é que vocês tiveram tanta sorte?”.

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