Crítica: Crossroads - One Two Jaga
Na conjuntura geopolítica do sempre efervescente sudeste asiático, a Malásia – assim como o Estado-Nação de Cingapura – é provavelmente o local com o maior desenvolvimento econômico e social da região, razão pela qual toda e qualquer merda que dá por ali (e todo ano tem uma nova) faz com que a Malásia sofra com um novo fluxo de refugiados. A Malásia, portanto, tem refugiado de basicamente toda a Ásia, desde chineses até rohingyas fugindo do genocídio que lhes é imposto em seu país natal de Myanmar e na vizinha Bangladesh para onde a população quase que inteira migrou. Mais que isso, ela é também um chamariz de mão de obra que faz com que principalmente os indonésios migrem para lá, majoritariamente de forma ilegal, para trabalhar, tal como acontece com mexicanos nos EUA e, assim como aqueles, também sofrem um preconceito forte por lá.
A Malásia, portanto, realmente tem um fluxo enorme de refugiados e imigrantes, o que levou o governo do país a se recusar a assinar o acordo sobre refugiados da ONU que garante a estes direitos iguais aos dos cidadãos, além de impor uma legislação que, para não usar a expressão escravidão, obriga refugiados e imigrantes a serem “patrocinados” por algum empregador para que possam manter o direito de permanecer no país. Na prática isto significa uma servidão forçada, salários de fome e exploração sem limites.
É dentro desse contexto que o diretor e ator Namrom (aqui creditado como Nam Rom sabe-se lá porque) traz praticamente um filme denúncia de uma situação virtualmente ignorada pelo mundo ocidental, mas que causa a mesma quantidade de dor, sofrimento e miséria humana que as demais. Onde esses elementos da existência humana proliferam, aparecem também os oportunistas, corruptos e filhos da puta para ganhar um dinheiro em cima. E é exatamente isto que Crossroads – One Two Jaga retrata.
São 3 núcleos diferentes. No primeiro acompanhamos Sugiman (o ótimo Ario Bayu), um imigrante indonésio que tem que se virar para criar o filho ao mesmo tempo que precisa conseguir enviar sua irmã de volta à Indonésia, uma vez que esta fugiu do seu trabalho e empregador, coisa que, ao que tudo indica, é o suficiente para que ela seja presa indefinidamente. Do outro lado, temos o policial malaio novato Hussein (Zahiril Adzim) aprendendo sobre a putaria que é a corrupção policial em qualquer lugar do mundo, em especial num país onde as oportunidades para tanto são tão vastas. Há ainda um terceiro núcleo, o do imigrante filipino Rico (Timothy Castillo), que rapidamente aprende que não deve pedir dinheiro emprestado aos outros e que, honestamente, só existe para prejudicar a película.
Trata-se de um daqueles filmes feitos na raça. Sem grande orçamento ou recursos técnicos, o diretor Namrom, que também co-assina o roteiro, se vale de sua falta de tudo para trazer uma visão ainda mais real de tudo o quanto é mostrado na tela. Lentamente – e às vezes lentamente demais mesmo para um filme com menos de uma hora e meia – os personagens são desenvolvidos e seus arcos avançam a história como um todo, levando ao espetacular ato final que, embora carecesse de um pouco mais de polimento, se destaca por sua carga dramática e emocional plenamente vivida pelos atores, em especial Ario Bayu.
Contudo, One Two Jaga fica a um pentelho de ser um filme realmente excelente e memorável por dois fatores que, a despeito de suas muitas, sinceras e cruas qualidades, o prejudicam sobremaneira. A primeira e que mais lhe causa mal é este terceiro núcleo do filipino inadimplente. Pelo menos aos meus olhos de ocidental, ele serviu apenas para encher uma linguiça, como se depois de terem escrito os outros dois núcleos os roteiristas tivessem se ligado que precisariam ainda de mais uns 20 minutos de filme. E isto fica ainda mais claro quando se percebe a atenção e o tempo dado aos outros dois arcos, que explodem em um clímax concomitante, enquanto que esta terceira história parece ser algo que sequer dialoga com as outras duas, ficando ali meio solta, meio sem razão de ser dentro do contexto da obra. A segunda é uma inexplicável escolha por um filtro verde que faz com que o filme todo, esteticamente, seja feio, equivocado, com tudo parecendo esverdeado sem qualquer razão de ser, dando a impressão quase de que seu televisor está com algum problema.
Ademais, o longa pode ser um pouco confuso caso você não esteja um pouco inteirado das questões que assolam aquele país e da sua realidade. Eu me peguei em mais de uma vez completamente perdido no que se refere às motivações de quase todo mundo simplesmente porque não sei como funciona a sociedade malaia. Felizmente, esta sensação de que estava perdido na história se desfez com o seu avançar, já que o contexto da ação ajuda na compreensão daquela sociedade, ainda que, mesmo assim, muita coisa fique perdida, mais ou menos como certamente ocorre com gringos quando assistem a “Cidade de Deus” ou “Tropa de Elite”, só para ficar em dois filmes nacionais altamente contextuais.
Conseguindo superar esta falta de conhecimento que realmente impede que nós, brasileiros médios, usufruamos 100% do contexto do filme, One Two Jaga é uma obra que fala, antes de mais nada, sobre a iniquidade dos homens, em especial aqueles com algum poder, e isso é mais do que conhecido por nós.
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