Crítica: De Repente Uma Família (Instant Family)
Vamos começar deixando logo claro que eu não tenho filhos e nem pretendo ter. Biológicos, pelo menos. São tantos os motivos dessa escolha – passando por questões sociais, ambientais e pessoais – que ocuparia 2/3 do texto caso eu fosse esmiuçar cada ponto. Além de não conseguir me visualizar fazendo esse investimento de tempo, emocional e financeiro, eu não acho que seria um bom pai considerando minha filosofia de vida e o mundo que nos cerca. Porém, também gostaria de deixar registrado a minha admiração por quem opta ter um descendente e até mesmo pelos que não optam e ainda assim são um grandes pais ou mães. E quando essa escolha é feita e envolve adoção eu fico mais maravilhado ainda.
E eis que, querendo bagunçar com o nosso emocional, a Paramount libera nos cinemas De Repente Uma Família, longa sobre um casal que disponibiliza sua casa como lar temporário para crianças cujos pais não podem cuidar delas. Estamos falando de Pete (Mark Wahlberg) e Ellie (Rose Byrne), que após estruturarem sua vida e estarem na casa dos 40 anos, começam a sentir a necessidade de se tornarem pais. Após alguns meandros que os fazem descartar a possibilidade de ter um filho consanguíneo, eles resolvem entrar para o processo de serem pais temporários, para, quem sabe, se tornarem adotivos.
De Repente Uma Família toca num ponto muito sensível dessa relação que pode ser muito conturbada. Há uma série de questões psicológicas envolvidas que, num filme essencialmente de comédia, ficaram de fora ou foram trabalhadas de forma muito superficial ou não encontraram tempo apropriado na obra. Embora a película até tentasse, é muito difícil fazer uma comédia com temas como o abuso infantil, crianças rejeitadas, pais passando por dificuldades, crack babies (bebês que nascem de mães viciadas), pessoas que se aproveitam do dinheiro do governo para cuidar dessas crianças e o reflexo de decisões em seres que dependem exclusivamente de você, sem quebrar o ritmo e o tom do longa. Eu não consigo rir com piadas sobre grandes testículos depilados enquanto estamos à procura de um pedófilo.
E para piorar, os “bons momentos” entre os pais adotivos nas reuniões de apoio com as assistentes sociais são recheados de falas constrangedoras que mais pareciam um comercial para promover a adoção do que um longa metragem retratando de forma mais “suave” essa empreitada. Isso sem contar no mal que o trailer causou – e que eu vi umas 10 vezes na exibição de outros filmes – ao mostrar os momentos mais engraçados, deixando para a surpresa apenas os momentos sem muita inspiração do roteiro.
Apesar de desconhecer o processo de designação de crianças e adolescentes para lares temporários, tanto no Brasil quanto nos EUA, tive a impressão que o sistema americano é extremamente cruel, fazendo parecer que os meninos são mais produtos a serem escolhidos do que seres a serem acolhidos. São eventos tão inacreditáveis que até mesmo a obra tira um sarro em uma das poucas cenas de sucesso que eu desconhecia. E essa é a linha durante todo filme: apresentar piadinhas um tanto sem graça, levantar questões significativas sobre adoção, enaltecer quem a pratica e criticar o processo, que parece mais um moedor de gente, praticado pelo governo americano.
Quando eu comparo De Repente Uma Família com o arco de Randall Pearson da FABULOSA série “This Is Us” (presente em nosso Garimpo Especial: 10 Séries Que Passaram Despercebidas Em 2017), que foi adotado e que passa a disponibilizar sua casa como lar temporário em circunstâncias bem parecidas, vejo o abismo no tratamento do assunto. Mesmo considerando que “This Is Us” tinha infinitamente mais tempo para desenvolver a questão, a sensibilidade usada em todas as interações entre os envolvidos me fez rir e chorar muito mais e me fez refletir mais profundamente sobre esse ato tão belo que é se dedicar de corpo e alma aos filhos, biológicos ou não, do que o filme em questão.
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