Crítica: Perfume (Parfum)
Quando um crime brutal e repleto de fetiches ocorre a uma cantora alemã, deixando seu pequenino filho a brincar com parte dos vestígios, cinco amigos de infância voltam a se encontrar, após anos e anos, para prestar as homenagens ao corpo deixado. Não apenas isso, mas cada um deles se tornará suspeito para a polícia local que passa a investigar este crime, além de ligá-lo a outros casos não resolvidos durante aquela juventude desviada em um internato católico, no qual o grupo de amigos se conhecera e passara a maior parte do tempo. Esta é a trama envolvente da nova série da Netflix, produzida na Alemanha, chamada Perfume.
O crime da cantora, e outros iguais que continuam a acontecer, deixam à vista uma certa obsessão ao odor – tal qual os jovens amigos cultivavam desde àquela época de antes, em especial a partir de um livro que leram que era recheado destas mesmas características: crime, cheiros e obsessões. Essas pistas vão levando os investigadores a traçar uma trajetória que aponta sempre para alguém desse bando completamente diferente em composição: um é dono de bordéu; outro é um pai de família que abusa fisicamente de sua mulher; esta, desde que começou a se relacionar com o grupo lá no internato, sempre fora alvo de diversos tipos de abusos por eles mesmos; o quarto membro é um perfumista; e o que restou é o amigo subestimado, meio rejeitado, que carrega até o presente seus medos e inseguranças de criança. Essas diferenças de personalidades e elementos que sobressaem a cada qual são o suficiente para manter o suspense e o drama ao longo dos seis episódios da série.

A narrativa é entrecortada, aos poucos, por flashbacks de quando começaram a construir suas relações e o presente vai os levando a revisitar aquele passado pouco convidativo e tão vazio de glórias. Em paralelo, os conflitos dos investigadores e a própria investigação liga estes personagens aos cinco protagonistas da história. As relações destes, forjadas em cima de abusos, sexo e crueldade, também são percebidas nas interações dos policiais. Mais do que o suspense criminal e a busca por um suposto psicopata em série, Perfume lida com as relações humanas ao tornar cíclico e repetitivo (no bom sentido) esse mesmo modelo, a rodar insistentemente e de forma inabalável, levando seus personagens sempre para o mesmo lugar. Passado ou presente – até mesmo um simples vislumbre de futuro – levam cada uma dessas pessoas a dividir os mesmos espaços. Não à toa, de maneira muito sutil, uma cena apresenta, bem no canto do enquadramento, um livro intitulado “Shared Spaces” (“Espaços Compartilhados”, em uma tradução literal). E assim se apresenta o conto alemão: tal qual um labirinto invisível, não importa quem seja ou para onde anda – tudo levará para o mesmo espaço de sofrimento, terror pessoal e abusos.
As composições de cena contam com uma direção de arte em plena harmonia com a cinematografia, apresentando em cada cenário tons de amarelo e verde, fazendo de toda e qualquer atmosfera algo sempre muito familiar. Os conflitos que estão a se desenvolver na tela, frente ao espectador, são igualmente semelhantes e – mais uma vez – os espaços compartilhados (concretos ou etéreos) também assumem formas assustadoramente similares, de modo que, apesar das diferenças de personalidades das personas da história, todos estão reduzidos aos mesmos escombros sentimentais, cujos problemas que se demonstram insuperáveis concorrem para aprisioná-los em grilhões emocionais alimentados pelos próprios medos, fazendo-os um o espelho do outro. Resulta, para a trama bem desenvolvida, que todos ali podem ser – e são – santos ou pecadores. Ou melhor, são santos e pecadores.

Não correndo o risco de se perder em seu próprio esconderijo, Perfume é a série que consegue manter a linha de suspense policial, na forma como se apresenta desde o primeiro episódio, mas sobretudo é precisa no aprofundamento dos conflitos pessoais, tendo um leque nada pequeno de personagens, mas conseguindo dar a devida atenção a cada um deles. A narrativa saboreia todos os elementos pelos quais passeia à medida em que destila seus diversos dramas, transformando a peça inteira em um conjunto harmonioso de sons, cheiros e fúria.
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