Crítica: Amigos Para Sempre (The Upside)

Em algum momento de 2011, você ouviu a pergunta “Já viu Intocáveis? Muito lindo. Chorei a beça”. Inspirado em uma história real, o filme francês arrebatou bilheterias pelo caminho. Em 2016, ele ganhou uma versão argentina (resenhada aqui). Agora, sob o título de Amigos Para Sempre, ele retorna em versão americana. Afinal, é uma verdade universalmente reconhecida que americanos não curtem legendas e que todo mundo parafraseará Jane Austen quando falar de verdades universalmente reconhecidas.

Philip (Bryan Cranston) é um bilionário que se tornou paraplégico após um acidente com um parapente. Cínico e amargurado, ele acaba, insolitamente, contratando Dell (Kevyn Hart) como cuidador, um homem negro, em liberdade condicional e nenhum traquejo social. Esse improvável par acaba por mudar a vida um do outro, com Philip aprendendo a resgatar a alegria mesmo na sua condição e Dell retomando os laços que a maré das circunstâncias havia rompido com a sua ex-mulher e filho.

Remakes são criaturas estranhas no universo cinematográfico. Se, por um lado, eles devam ser encarados como produções únicas que são, por outro, não há como fugir às comparações com o original. Assim, para sua sustentação plena, é necessário que eles dialoguem e cresçam para além do “pai”.

Amigos Para Sempre cresce nas magnificas atuações do par principal. Kevin Hart brilha com seu Dell, numa pegada de humor bem mais forte que o francês. Algumas cenas são excelentes trampolins para que o talentoso comediante execute magníficos saltos. Já Bryan Cranston potencializa brilhantemente o uso de olhares e expressões faciais, ao dar vida a um personagem tão limitado de movimentos. É um grande ator no domínio de sua técnica. Há que se destacar, também, a sempre competente Nicole Kidman (que, aliás, foi a isca usada pelo meu editor para me fazer comparecer á cabine de imprensa do filme, “vai, tem uma das suas musas”). Sua personagem, Yvonne, embora mal aproveitada no terço final por falhas do roteiro, é executada com a credibilidade e humanidade que Dona Kidman sempre fornece a seus papéis.

Surfando no orçamento gordo do cinema americano (nota: esse é o último filme produzido pela Weinstein Company. No entanto, ela não é creditada na tela porque, depois da queda e falência da mesma, a obra foi vendida para outras produtoras e distribuidoras), o filme exibe impecáveis aspectos técnicos, fotografia linda, locações de tirar o fôlego.

No entanto, os deslizes – que já estavam presentes na produção francesa – acabam comprometendo o todo da produção. Embora as peripécias do roteiro iludam e a atuação dos protagonistas crie um bromance delicioso, não dá para negar que deliberadamente Amigos para sempre quer ser um “tire seus lencinhos da bolsa e chorem”. Em vários momentos deixa-se uma sensação de pura e simples manipulação emocional do espectador.

Do mesmo modo, é indisfarçável a miríade de clichês dos quais a história se vale. Alguns deles soam muito desconfortáveis em 2019, principalmente a representação do personagem negro. É um repetir de situações que refletem as disparidades raciais mas que, apesar disso, não se aprofundam em nenhum momento para o exercício de uma discussão mais potente sobre o caso. Da mesma forma, o filme não presta nenhum serviço na abordagem da vida interior das pessoas com deficiência. O tempo todo tem-se a sensação de “peraí que já já você chora, não vamos perder tempo aprofundando outras coisas”.

Amigos Para Sempre vale mais como a chance de ver dois grandes atores batendo uma bolinha boa entre si. Mas, no final, deixa um gostinho de querer ver como aqueles dois mandariam ver se lhes tivessem dado um jogo mais encorpado para brilharem.

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