Crítica: Ánimas

Considerando o acervo brasileiro da Netflix, parece haver um grande investimento do streaming no que tange as obras de língua espanhola, em especial as produções vindas da Espanha propriamente dita. Diversos títulos disponibilizados semanalmente, sendo alguns deles verdadeiramente marcantes. Nessa sexta-feira, mais um lançamento de lá, o rápido – mas não dinâmico – filme de terror/suspense Ánimas traz uma idéia interessante para o espectador que deseja uma viagem pelos desconhecidos lugares da mente.

Abraham (Iván Pellicer) é um garoto que cresceu com um pai violento dentro de casa, o que ocasionou em sua mãe alguns distúrbios mentais, fazendo-a agir como um robô que lava, passa, cozinha e aguarda as horas para preparar a casa para o marido afetado que chega toda noite. Desde pequeno, Abraham encontrou na amizade com Álex (Clare Durant) um possível refúgio para essa situação nada convidativa de seu dia-a-dia, ainda que seja acompanhado por uma psiquiatra (Ángela Molina). No entanto, Álex também guarda para si um modo muito atual de lidar com seus problemas – que nunca sabemos quais efetivamente são: a tal da transferência de dor, isto é, o autoflagelo para que a dor física faça esquecer, por algum instante que seja, o abalo emocional. Dois tipos muito parecidos, com questões similares, que tentam juntos passar pelo próximo dia.

Os amigos inseparáveis.

O ritmo do filme, de início, é lento (algo que adoro), de forma a permitir que adentremos nesse universo pouco sedutor dos personagens. No entanto, com o passar das cenas, uma rapidez frenética vai se fazendo presente à medida em que conhecemos as reais necessidades dos protagonistas. Álex passa a ser perseguida por uma espécie de entidade que surge das sombras e Abraham, além de ter que mediar o caos dentro de casa, tem que ajudar a amiga, que parece sofrer veladamente com o novo relacionamento dele com outra garota. Toda a estrutura cadenciada da narrativa começa a ser chacoalhada pela série de acontecimentos que vai engolindo os dois parceiros. Álex vai se vendo prisioneira dentro de sua própria casa, isolada, sozinha. Abraham vai notando que, talvez, seu acompanhamento psiquiátrico não esteja surtindo o efeito desejado. Cada vez mais, os dramas de um vão se mesclando com os dramas do outro.

A fotografia sempre em tons amarelos e verdes vai enaltecendo os aspectos semelhantes desses dois personagens, com elementos do universo pessoal de um que surgem, como em uma citação, no universo pessoal do outro, tamanha a ligação entre ambos. Por muito tempo do desenvolvimento da narrativa, o espectador deve buscar na história elementos que o faça montar um quebra-cabeças louco a priori, mas que vai se revelando fácil demais. Eis que surge um dos pontos fracos da obra: um didatismo imperativo que aparece para quebrar com toda a lógica “despirocada” do desenrolar do conto até aqui. A sensação de ser engolido por uma série de acontecimentos sem explicação, como se soterrado por uma avalanche de fatos nonsense, vai se perdendo ao mesmo tempo em que os diretores dão uma de Steven Spielberg e quase param para explicar o que fora tudo aquilo.

Uma pitada de loucura para cada um.

Muito mais interessante em sua ideia inicial e em suas sequências de abertura até o terceiro ato, Ánimas peca na pergunta que um diretor costuma se fazer constantemente, enquanto esculpe sua obra: será que estou me fazendo entender? Certa vez, Tim Burton revelou que nunca escreve um roteiro porque somente ele entenderia a história. Talvez, pelo medo de incorrer nisso, Laura Alvea e Jose F. Ortuño tenham deixado a conclusão para sanar todas as dúvidas do espectador. Mas é tão mais interessante quando as lacunas são preenchidas por cada um de nós, dando à luz várias histórias diferentes e debates que poderiam enriquecer o olhar e a percepção de cada um dos envolvidos com o filme.

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